Saturday, January 10, 2009

Tenho um amigo que foi para longe.

Esse meu amigo é uma parte importante de mim. Sinto a falta dele quase todos os dias ou lembro-me dele devido aos pormenores mais absurdos.

Acho que, muitas vezes, não sou a melhor das amigas. Digo muita coisa que é francamente desagradável porque me falta o filtro, mas, pior que isso, é muitas vezes não estar lá quando os amigos precisam e isso é uma falha imperdoável. Não sei se te falhei. Falhei-te, Nabo? Acho que sim. Já devia ter ido ter contigo.

Sem ti, ficou um vazio em muitas noites. Eras a presença que as preenchia. Sou uma criatura que não fecha os olhos sob a luz nocturna. Nas longas horas de escuridão que havia, escusava de ver um filme sozinha, via-o contigo. Se me apetecia chorar, bastava ir bater-te à porta. Se não tinha sono, conversava-se. Se querias companhia para o midnight snack, era só chamares.

O meu mundo contigo era melhor. Sabia mais de música e adormecia a ver mais filmes. Sabes que, quando te foste, passei a ouvir menos música em casa? Só alguns gostos ocasionais. Agora retomei… Estive de luto? Ainda tens os meus livros do Senhor dos Anéis? Podíamos comentar, de igual para igual, os gajos e gajas que há na vida. Sonhávamos e inventávamos e éramos falhados juntos.

Há comidas que já não sabem tão bem. O Ice Tea era melhor nos teus copos gigantes. E para que serve a lasanha se não a comemos às 3h da manhã? Já não sei o que é um pão com manteiga. E agora? Para quem vou roubar as chávenas dos cafés?

Foste, e és, a única pessoa por quem já roubei. Chávenas, tabuletas, insignificâncias que te fazem feliz. Nem pensava duas vezes.

Nas noites de neura, pegava no carro e vinhas comigo e andávamos, andávamos… Não entrávamos em lado nenhum, tanto que até uma vez o desespero me levou a fazer xixi na rua… Foi engraçado. Tinhas a coragem de estar com um perigo condutor nas primeiras semanas de carta. E rias comigo, não de mim.

És aquele abraço que me dá vontade de chorar. É como se tu chegasses e o guarda-chuva se fechasse e, de repente, a tempestade atinge-me.

Não eras perfeito e eu não sou perfeita. Mas aceitamo-nos como iguais. Podes contar-me grandes podres teus e para mim é como se nada fosse, tu és assim, aceito-te como és, não exijo mais. Talvez devesse? Mas já todos fazem isso… E contigo sou parva e digo disparates e podes dar-me na cabeça quanto quiseres e tens razão, mas não faz mal, porque vais sempre chamar-me naba e rir-te e não te importar com isso.

Não me magoas e, mais importante que isso, eu não tenho capacidade para te magoar. Podia dizer tanta coisa horrível que te mandaria abaixo e te faria sentir um farrapo, mas simplesmente nunca me sai. Coabitamos em paz na linha estreita das relações humanas. Sem dependências, sem excessos, apenas o suave sussurrar do prazer da companhia.

Contigo, não era preciso interpretar papéis e estatutos sociais. De uma forma que não sei se faz sentido, sabes quem eu sou, cá dentro, sabes o que é ser eu, a parte que não cabe nas palavras, que se sente sem se descrever. Porque é como disse Fynn: “A maior parte do anjo está por dentro e a maior parte da pessoa está por fora”.

És a pessoa com quem consigo estar quando só apetece estar sozinha.

Dormi no teu sofá, na tua cama, recorria a ti quando ficava trancada fora de casa. Ouvi tantas histórias e vi tanta gente passar na tua vida. Porque é que eu fiquei? Não tenho nada de especial…

Cresci contigo? Mas se és eterno adolescente… Talvez tenha crescido. Agora sinto-me podre, imatura, inconsequente. Sinto-me presa no corpo de alguém que já foi grande e se perdeu.

Estás tão longe, mas sei que posso contar contigo. Tanta gente que eu adoro e que está comigo e cuja minha vida sem eles não faz sentido… Mas ninguém és tu. Ninguém percebe isso. Ninguém percebe o que significa eu chorar. Nem tu. Mas contigo eu sentia que havia razões para limpar as lágrimas, esfregar os olhos e seguir em frente. Chorar era uma força, não uma fraqueza. Oh, eu podia repetir a mesma merda, uma e outra vez, tu podias repetir mil vezes o que já tinhas dito, mas naquele momento em que as lágrimas escorriam, eu ficava bem. Chorar era um alívio, porque tu eras o meu alívio.

Depois comíamos pão com maionese fora de prazo e tu aquecias a linguiça no micro-ondas. O mundo nunca pára de girar.

Tinhas camisas de flanela, o que é mau. Deste-me uma e usava-a em casa como se fosse um casaco precioso. Mas a minha mãe às vezes é ruim e deitou-a fora… Tinhas umas t-shirts loucas e o look sem-abrigo não fica tão bem a mais ninguém… Gozavas com tudo o que havia para gozar e dizes, com razão, que é precisamente na capacidade de brincar que reside a tolerância e aceitação do outro.

Lembro-me com carinho do teu ar de Jesus Cristo. Não sinto lá muita falta do acordar forçado porque estavas a tocar guitarra lá em baixo. Agradeço o esforço na tentativa de me ensinares os primeiros acordes da Smoke on the Water. Já me esqueci.

Não sei. Não sei que estou a dizer. Sei que o meu mundo abana e treme e não estás cá para me segurar.

Mas eu vou ter contigo. Espera aí.

Maria

3 comments:

Anonymous said...

Está muito bonito o texto. ;)

Morcegos no Sótão said...

Vá QUASE me puseste a chorar pronto. Cartas assim haviam de ser escritas todos os dias. Só espero que ele leia. Uma ode à amizade merece sempre ser lida.


Lili

Uma Pessoa said...

PORRA!!! :D

e isso e' tudo o que tenho a dizer. fosse qualquer outra pessoa e eu sentia uma responsabilidade enorme em dar uma resposta mas nunca contigo minha gaija.