Tuesday, October 19, 2010

Londres

O meu ano em Londres foi um ano muito intenso, para o bem e para o mal. Fui feliz, diverti-me imenso, sofri, chorei, passei fome, comi mal, comi fora, dormi em excesso, mal dormi, adorei pessoas que acabaram indiferentes, ignorei pessoas que acabaram adoradas. Viajei, perdi-me, encontrei-me, fui forte e frágil. Atirei-me ao mundo e entreguei-me às pessoas.

Fui para Londres com três objectivos: aprender a estar sozinha e a ser independente, fazer amigos pelo mundo fora para alimentar o meu vício de viagens e (vergonhosamente) ter algo com alguém de outra nacionalidade. Atingi os três. O último só me serviu para o ego, o segundo abre-me ainda mais um coração que já de si não se sabe fechar e o primeiro ajudou-me a tornar-me quem eu sou hoje. Foi o principal motivo que me fez simplesmente ir. Para completar o panorama, acabei o curso. Lá fora. Em termos pessoais, Londres diz-me que eu posso fazer tudo o que quiser se me der ao trabalho disso.

No meu ano em Londres, cresci mais do que nos três anos anteriores juntos. Tive um quarto meu, um quarto sem segredos, forrado a postais e poemas e posters. Um quarto que era um refúgio.

Abandonei esse quarto pela aventura e pela avareza e passei quase dois meses a dormir em chão e sacos-cama e sofás e camas por essa Londres fora. Vagueei de madrugada pela cidade, a ver o Sol nascer antes de conseguir encontrar almofada onde pousar a cabeça.

Atravessei a Waterloo Bridge mais vezes do que é possível contar e cumprimentei mais condutores de night buses do que me meti em double-deckers enquanto o sol brilhava.

Fiz vida de parque, à falta de praia. Deitada em cobertores ou toalhas de piquenique. A ler, a conversar, a sorver o sol como se fosse o bem mais precioso.

Vi uma lista infindável de peças e musicais. Vi o Wicked quatro vezes e deixei-o ser a banda sonora do meu ano.

Descobri barzinhos e pubs secretos, onde conversei horas a fio com quem me quis acompanhar. Dancei tantas horas de tantas noites que as contas perfazem dias. Dias da minha Londres passados a dançar.

"When you dance... It's like you're making love to music."

Mas a verdade é que, até este mês, guardava Londres cá dentro com alguma apreensão. Não tive aquele Erasmus impossivelmente louco que toda a gente parece descrever e isso fazia-me sentir que algo estava errado comigo. Como se não bastasse, pela primeira vez na vida, o meu espírito optimista e despreocupado que está sempre pronto para amar gentes sem medo de sair magoado foi quebrado. Foi quebrado inesperadamente e levou muito tempo a sarar essa ferida. Não sei se já sarou ou se a cicatriz tem duas semanas de idade, porque até voltar a Londres, eu tinha receio de voltar ali. De reencontrar aquelas ruas, aqueles lugares, aquelas sensações familiares. Tinha pavor de voltar a Londres e de instintivamente procurar quem só me trouxe dor, mesmo sabendo racionalmente que agora há um oceano a separar-nos.

Mas eu sou eu e voltei a Londres à mesma. Porque fiz mais amigos do que tive agruras, porque esses amigos se iam reunir. E lá fui, que nem filho pródigo a regressar a casa. Sozinha no avião. É impressionante o quão desenrascada fiquei nestas coisas de viagens (para qualquer lado!) em 2009 e 2010.

Foi imensamente estranho voltar a Londres... Porque parecia que nunca tinha de lá saído.

As pontes estão no mesmo sítio, o Big Ben continua a ser uma desilusão. O metro ainda é escuro e opressivo, os autocarros continuam brilhantes. Trafalgar Square ainda é a mais acolhedora visão nocturna que posso ter ao sair de uma discoteca. Os DVDs e CDs mantêm-se incrivelmente baratos na HMV. As livrarias não deixaram de expôr obras e obras infinitas numa língua que eu consigo entender. Aqueles cafés e Neros onde tantas horas passei, sozinha, a ler ou escrever, continuam a dar-me um chocolate quente que sabe a céu. Os meus spots ainda lá estão, à espera que eu lá vá sentar-me, sentir, viver.

E as pessoas, Deus, as pessoas... Como foi maravilhoso rever toda a gente! Como foi fantástico estar outra vez sob o tecto da Lili. Como a V. me voltou a surpreender, uma e outra vez, só por ser ela (porque já me tinha esquecido...). Como a L. continua tagarela e tão única nas suas peculiaridades. Como eu e a Frenchie não esquecemos o nosso hábito inato de estarmo-nos sempre a picar e a gozar. Como a C. está tão perto do meu coração. Rever o Luigi... Só faltou o meu Nabo. E que falta essa... Nunca mais regresso a Londres, enquanto ele lá viver, sem ele lá estar...

Passou-se o Verão e nunca senti saudades de Londres. Mantive o contacto com as pessoas, mas não senti falta do meu ano em Londres. Não tive ressaca pós-Erasmus.

Mas quando voltei... Quando voltei, apercebi-me. Do bem que Londres me fez. Do mundo que agora tenho cá dentro. Da coragem. Da recém-descoberta capacidade de estar sozinha e fazer as coisas sozinha. Da introspecção. Da quanto a minha força está no que socialmente pode ser considerado frágil... Do quanto prezo a minha companhia.

Londres é uma casa para mim. Londres tornou-se também a minha cidade.

Quanto mais viajo, mais gosto da sensação de lar.

MJNuts

7 comments:

Beatrix Kiddo said...

eu precisava duma coisa dessas também (viver sozinha longe)

Morcegos no Sótão said...

Esta cidade primeiro estranha-se mas depois entranha-se.
Eu, que vou voltar, pela primeira vez desde que cá estou, à minha terrinha o mês que vem, tinha receio de para cá não querer voltar... Estar com vocês e com os meus pais aqui fez-me perceber que é um receio infundado. It's home now. I won't ever leave.

E tu, que reconheces finalmente esta maravilha como um lar!, vais ter sempre poiso aqui, sob o meu tecto.

Lili

PP said...

(tentar q isto fique igual..)

Ok quase q me emocionei aqui a ler isto... Como deves imaginar muito do que aqui contas se passou comigo ou com o qual me identifico! Costumava dizer que aquilo que recebias do Erasmus era aquilo que estavas disposto a dar de ti próprio e que sem dúvida é uma experiência mto mais abrangente que aquilo q mtos ainda referem como festas internacionais e relações fortuitas aqui e acolá e o teu texto demonstra bem isso!

Parei numa frase que me diz mto talvez pq usei uma parecida para resumir a minha experiência:
"Em termos pessoais, Londres diz-me que eu posso fazer tudo o que quiser se me der ao trabalho disso."

Deixo aqui em catalão:
"Barcelona, allà és on va començar tot... Allà és on vaig entendre fins on podia arribar"
(aqui foi onde começou tudo, aqui foi onde percebi até onde podia chegar)

Acho que o teu Erasmus foi tão bom ou melhor que os outros principalmente porque "viveste" e isso é sempre o mais importante.

Beijinho!

p.s. claro que marquei viagem pra Bcn pro dia a seguir ao meu exame ou seja daqui a 1 mês!!!

Morcegos no Sótão said...

Sempre me senti melhor a falar contigo sobre o Erasmus, porque acho que, em muitos aspectos, tens uma forma de ver e viver a Vida muito semelhante à minha... Compreendo perfeitamente a forma como encaraste a tua Barcelona. Diferente da minha Londres, mas de coração igualmente aberto.

Gostava tanto, tanto, de um dia viver em Barcelona... Mas o Mundo é tão grande e tenho tanto para fazer...

MJNuts

PP said...

Lol! Acho que estás num bom caminho para viveres muito em muito sítio seja numa semana ou num ano!

;)

André Pereira said...

Adoro ler-te. Nada convencida, natural e honesta. Inspiras-me, MJ :(

Rita Ramos said...

Obrigada por esta "confissão". pela partilha e pela oportunidade de me dares a conhecer mais de ti e de cada vez mais gostar de ti e ter orgulho na pessoa que és.
É optimo saber estar sozinha. Saber estar connosco. É das melhores coisas q podemos fazer por nós (ou pelo menos uma das :))