Larguei a Noruega, com muita pena minha mas não tristeza, porque fi-lo para regressar a Amesterdão, a cidade onde já fui tantas vezes que quase lá circulo tão bem como em Lisboa ou Londres.
Depois da explosão de sentidos que foi a Noruega, estava à espera que voltar à capital holandesa tivesse um sabor morno. Mas não. A excitação que me consome sempre que saio de Amsterdam Centraal ainda é a mesma que me alimenta a alma e me arranca sorrisos. É uma espécie de boas-vindas que já é tradição (porque pareço chegar sempre à noite): o céu escuro, as luzes amareladas dos candeeiros, os letreiros das lojas, hotéis e afins, os tons castanhos e laranjas da própria cidade. Os trems e as bicicletas. E já tanta estação de comboio percorri, mas não há igual a Amsterdam Centraal...
Amesterdão, por si só, é sempre uma experiência diferente. Ajuda muito que, sempre que eu lá vá, escolha alojamentos que não lembram a ninguém. A única vez que escapa é a primeira, em que fiquei num hotelzinho simpático que basicamente personificava o que a minha imaginação constrói sempre que reservo cama num hostel ou pensão. A segunda também não é má de todo, fiquei em casa de um colega da escola básica. Mas não o via há anos e crescemos tão diferentes e depois a própria atmosfera da casa deixou em mim uma recordação algo agridoce de um conforto desconfortável.
A terceira vez merecia toda ela um post. Quatro pessoas enfiadas num quarto de um prédio (prédio-casa, é sempre assim na Holanda) pertencente a uma velha alemã cujo marido era judeu. Velha essa que era bastante amorosa, mas muito intrusiva. E que, suponho que sem o saber, tinha a casa repleta de janados, gente perdida da vida, vindos de todos os cantos do Mundo, que estavam em Amesterdão para consumir droga da mais variada até uma qualquer brilhante ideia os libertar daquilo. Vou assumir que partilhar o seu espaço por 10€/noite, na bem cara Amesterdão, vem com esse preço. Os janados, pelo que percebi numa conversa surreal com uma nova-iorquina que estava a tripar em ácido apesar do seu ar perfeitamente normal, muitas vezes não tinham o dinheiro para lhe pagar e o que davam em vez disso à velha era o seu tempo e atenção. Todos os momentos que passei naquela casa foram envoltos num ambiente de bizarria que nunca pensei que existisse na vida real.
E bem, desta vez, fiz CouchSurfing. Isto há sempre formas de viajar barato. A casa tinha 5 andares e 10 estudantes lá enfiados e que posso eu dizer? Limpar não era com eles. E tendo em conta que a minha amiga norueguesa tem traços de obsessão-compulsão no que diz respeito a limpezas e germes, isso deu origem a situações bastante caricatas. "I'm just gonna imagine we're camping in the woods", dizia-me ela. Tínhamos de ir à casa-de-banho juntas porque ela não queria tocar em nada nem queria pousar as coisas em lado nenhum. Foi mais uma óptima oportunidade de bonding entre nós as duas, após sermos colegas de quarto em Viena e estarmos juntas 24/7 na semana da Noruega.
Normalmente, quando vou a Amesterdão, não me preocupo com caminhos, vou atrás de quem percebe mais disso que eu. Mas se o meu sentido de orientação mal dá sinais de vida, o da K. não existe, ponto final. Por isso, fui obrigada a assumir esse papel. E que bem que me soube saber sempre em que direcção ficava a casa ou o Red Light District ou a estação... Só me aumentou a sensação de que Amesterdão também é, cada vez mais, casa. Apesar de nunca lá querer viver. Paradoxos pessoais.
Mas não vos quero falar de Amesterdão. Porque Amesterdão mantém-se a minha cidade preferida.
Quero falar-vos da Holanda. A Holanda, que era um país que eu adorava e admirava. Os prados, as paisagens, os animais, as pessoas.
À quarta vez que por lá passeei, a Holanda não me inspirou minimamente. Fui a Utrecht e adorei, a cidade é maravilhosa. Mas o país em geral, olhando para lá da janela do comboio...
Sempre plano. Sempre verde. Sempre com moinhos ou flores ou ovelhas. Sempre as mesmas casas de madeira. Iguais. Sem um pingo de personalidade.
Mas foi sem dúvida a planura toda que me cansou. Lembro-me de confessar a minha paixão pela Holanda à C., a leader holandesa em Viena, e de ela não perceber porque havia eu de gostar tanto do país. Que era bonito, sim, mas aborrecido. Rotineiro.
Atravessando a Holanda de comboio para conseguir chegar a Bruxelas, percebi o que ela queria dizer. Em duas horas de paisagens, nada vi que me apaixonasse, que me prendesse a respiração, que me apagasse da mente as palavras que insistem em querer explicar o que os olhos vêem.
Era só aquilo. Quilómetros e quilómetros de verde plano, com exactamente as mesmas construções ou animais ou vegetação a adorná-lo. Não me deixei dormir porque também gosto de sentir desencanto, gosto de sentir o tédio e a vulgaridade. Gosto de os saborear para poder dar valor ao que a eles se sobrepõe.
Na minha quarta vez na Holanda também gostei menos das pessoas. As pessoas tão bem vestidas e quase bonitas, muito educadas. As pessoas que ficam ali num meio-termo indeciso da androginia: os rapazes com aquele corte de cabelo comprido, ondulado, penteado para trás; as raparigas de andar patareco. Eles tão delicados que elas parecem brutas sem o ser.
Foi aí que percebi que, dada a minha paixão por Amesterdão, vou sempre gostar de holandeses, apenas dificilmente os poderei vir a amar.
Mas adoro comboios e o céu estava azul e o sol batia-me nos olhos. A Holanda pode não ser o amor da minha vida, mas quer-me bem.
MJNuts
Às vezes frequentava a sociedade
6 years ago
1 comment:
Eu também sou obsessivo com limpezas, estaria tão tramado :P
Força, MJ!
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