i was talking to a moth the other evening he was trying to break into an electric light bulb and fry himself on the wires
why do you fellows pull this stunt i asked him because it is the conventional thing for moths or why if that had been an uncovered candle instead of an electric light bulb you would now be a small unsightly cinder have you no sense
plenty of it he answered but at times we get tired of using it we get bored with the routine and crave beauty and excitement fire is beautiful and we know that if we get too close it will kill us but what does that matter it is better to be happy for a moment and be burned up with beauty than to live a long time and be bored all the while so we wad all our life up into one little roll and then we shoot the roll that is what life is for it is better to be a part of beauty for one instant and then cease to exist than to exist forever and never be a part of beauty our attitude toward life is come easy go easy we are like human beings used to be before they became too civilized to enjoy themselves
and before i could argue him out of his philosophy he went and immolated himself on a patent cigar lighter i do not agree with him myself i would rather have half the happiness and twice the longevity
but at the same time i wish there was something i wanted as badly as he wanted to fry himself
By Don Marquis, in "archy and mehitabel," 1927
Monday, March 29, 2010
Eu tinha razão. Não tanta como esperava, mas tinha alguma razão.
Mas sabes que mais? Hoje foi o teu dia. Hoje, ainda que disso não te tenhas apercebido, magoaste-me e deixaste-me emocionalmente esgotada. Hoje, por ti e pela música e por ter de ver as pessoas partir, chorei e precisei que me abraçassem e me amparassem. Hoje desabafei tudo o que me fazes sentir e percorri as ruas de Londres num silêncio cúmplice com quem compreende a minha dor. Hoje, sempre que olhei à minha volta, não estava realmente a ver, estava a sonhar contigo.
Sim, gosto mais de ti do que alguma vez pensei gostar de alguém com quem não tenho uma relação. Do que alguma vez pensei gostar de alguém que foge e joga e não sabe o que quer. Sim, gosto de ti. Mas gostar de ti não tem de dominar a minha vida, a minha disposição. Não tem de interferir com a forma como aproveito os meus dias, os meus amigos, as experiências sempre novas constantemente a surgir. Gostar de ti é gostar de ti. Só.
Hoje foi o teu dia. Agora, se quiseres, vem cá buscar outro.
Hoje sinto-me frágil. Ultimamente tenho-me sentido vulnerável. Tenho descoberto outras partes de mim. Partes que, talvez, só tenham acordado agora. Sinto que, neste últimos dias, o meu crescimento aumentou de ritmo e os meus olhos ficaram maiores.
Desde que ela se foi embora, tens sido a minha companhia. Ela faz-me falta e tu ajudas-me a suportar a distância que nos separa e levas-me contigo para os velhos tempos da nossa inseparável união. Aquele mundo de muitas cores e sons peculiares. Não és, de modo algum, fruto do meu interesse em completar aquele pedaço de mim que em Londres agora habita. Mesmo que sejas uma pequena consequência, és a melhor pequena consequência deste ano.
Continuas a surpreender-me com aquilo que sentes, com aquilo que se passa nesse teu mundo azul. Neste fim-de-semana, tiveste que ir visitá-la. Aquela senhora tua avó que conseguiu furar o teu coração com tanta dor que ainda hoje a sentes. Não me quero estender com palavras sobre aquilo que ela fez ou sobre o quanto te magoou porque, apesar de tudo, os sentimentos são teus e não tenho o direito nem a sensibilidade necessária para sobre eles poder falar. Imagino o horror que foi, imagino o horror que hoje ainda é. Tu não o mostras, nem falas muito sobre isso. É aquele teu pequeno dom de que eu tenho particular apreço. É um terramoto, é algo atroz, é o fim do mundo, mas tu consegues descrevê-los de uma forma tão calma, tão suave e tão feliz, que pouca importância parecem ter. Parece que a ti nada te magoa. Parece que a ti, o mal passa ao lado, pois se há alguém que ri mais que ninguém neste pequeno planeta, esse alguém és tu. Mas sei que não és assim. Eu sei que te dói. Eu sei que choras quando ninguém vê. Eu sei que também és frágil e compreendo. Compreendo e identifico-me com a forma como pulas, ris e cantas, não deixando ninguém perceber que há ali qualquer coisa que te está a roer o coração naquele dia. Eu compreendo e não faz mal.
Tiveste que a ir ver. Tiveste ainda que ir limpar o lugar onde ela habita, pois, se ninguém o fizer, ela poderá acabar a viver em tua casa por falta de condições. Que castigo cruel teres que ir limpar a merda que aquela senhora fez ao longo destes anos todos. Anos esses em que não a quiseste ver. Uma casa mais parecida com uma lixeira e uma senhora que nos causa dor só por olharmos para ela. Uma casa sem frigorífico, com pacotes de leite abertos e com o prazo expirado em 2001. Uma casa onde os excrementos foram deixados ao abandono antes de chegarem à casa de banho. Uma casa onde o resto do peixe do almoço de há dois anos atrás ainda habita a carpete da sala. Como é que consegues? Como é que conseguiste? Deve ter-te custado tanto. Deve ter-te custado não só porque se tratava de uma lixeira autêntica, mas porque se tratava da lixeira dela. Imagino o dia horrível que tiveste. As lágrimas que choraste. As horas que ficaste acordada durante a noite. O cheiro que ficou contigo.
Hoje li o que escreveste. Escreveste sobre isto:
Lembrava-me de ti de cabelo escuro, meio encaracolado nas pontas. Sempre solto. Lembrava-me de ti com uma bengala, baixando as costas. Lembrava-me de ti a falar alto, entre os poucos dentes que tinhas. Nenhum em cima e 4 em baixo.
Hoje chegou (finalmente?) o dia. Olhei para ti e nem me reconheceste. Quando ouviste a minha voz e percebeste que era para ti soltaste um Ai. Um Ai amoroso. Um amoroso teu. Mesmo peculiar.
Não me lembrava de como eras. De como respiravas devagar. De como olhavas sempre para as pessoas de baixo para cima. De como fechavas a boca com o lábio de cima tapado pelo de baixo.
Em como falavas. Em como eras engraçada a falar. Em como eras despachada. Em como barafustavas em voz alta. A minha mãe mandou-te calar. E nessa altura identifiquei-me contigo. Com essa voz alta e respondona, aquele tom de brincadeira irritante. Saí a ti...será?
Não estava a espera de te abraçar. De te dar um beijinho. E te pôr pingos nos olhos. De me rir das tuas parvoeiras. Estava a espera de não conseguir. De não te perdoar. De não querer estar ali. De não querer estar ao pé de ti.
Mas foi bom. Não é que tenha esquecido tudo. Não é como se não se passasse nada. Mas...fiquei com a estranha sensação de ter perdido o teu tempo. De ter faltado à tua velhice. De não estar contigo. De te ir ver agora só porque estavas no hospital.
Agora não quero que partas. Agora quero ao menos te conseguir perdoar. Porque até gosto de ti...apesar de isso ser uma questão de sangue.
O tempo corre ao teu lado. E só espero que não te percas nele. Só espero conseguir segurar-te a mão quando o relógio parar.
Deixaste-me atordoado. Deixaste-me confuso. Sentiste tudo aquilo que achei que não irias sentir. Ao fim de todos estes anos, depois daquilo que ela te fez, ainda consegues ir lá e sentir o teu coração quente. Acho que gostava de ter a tua capacidade de perdoar. Não, espera, deixa-me tentar escrever isto novamente. Acho que gostava de me preocupar com as coisas o suficiente para poder perdoá-las. Quando alguma coisa me chateia, eu livro-me dela.
De qualquer maneira, o que sentiste não foi uma opção e acredito que, hoje, deve custar-te ainda mais sentires ainda carinho por aquela senhora. Se para mim é confuso, imagino o peso que não vai nessa tua cabeça de vento. É esta parte do ser humano que me assusta sempre. Aqueles sentimentos e sensações que surgem, de repente, e que não sabemos de onde vieram, que não conseguimos controlar. Não sabemos em que tipo de pessoa nos tornam. Fico desconfortável com a ideia de haver partes de mim que ainda não conheço e que, provavelmente, não consigo controlar.
Acho que é por isso que choro às vezes. Porque não me conheço. Porque não sei o que se passa comigo. Tenho orgulho em ti. Limpar a merda de alguém que nos fez tanto mal é algo digno de merecer todos os meus louvores. És a minha heroína.
Guess
P.S.: quem quiser visitar o canto aluado desta valente heroína que passe por aqui.
Acho alguma piada ao facto de, com pouca ajuda de livros ou professores ditos espirituais (porque a verdade é que só li metade do The Power of Now e em mais nada peguei...), eu acabe por chegar sozinha a caminhos que eles indicam como certos. Não sei como isso me faz sentir. São sempre caminhos que doem e que muitas vezes me deixam insegura do que estou a fazer, se estarei a agir da melhor forma, se não estarei a expôr-me demasiado e a correr o risco de ser magoada... São caminhos que doem e me fazem ponderar se vale a pena esse risco.
Às vezes, duvido de mim e não quero ser assim. Às vezes, quero passar a ver mal no mundo e nas pessoas e quero que coisas mínimas me chateiem como parecem chatear tanta gente. Às vezes, quero saber desistir quando toda a gente me diz que já é hora de o fazer, em vez de continuar a perseguir sonhos e ideais (e pessoas), tornando esse processo uma "humilhação", como lhe chamam. Não posso dizer que seja uma vitória minha não ser assim. Há muito de natureza pessoal aqui, para não falar numa enorme dose de teimosia assente na crença que o meu comportamento não tem de ser uma resposta ao comportamento dos outros e na recusa em contentar-me com algo que não seja o melhor que posso ter/fazer/ser. Sim, também tenho fraquezas (muitas) e defeitos (ainda mais). Mas nunca o que é negativo tem de se sobrepôr ao que é positivo. Aliás, nem nunca deve.
Assim, e apesar de tudo, quando passeio nas internetes e encontro discursos de líderes espirituais, não consigo deixar de sorrir e pensar que, afinal, talvez esteja mesmo no caminho certo.
"A fool is one who goes on trusting; a fool is one who goes on trusting against all his experience. You deceive him, and he trusts you; and you deceive him again, and he trusts you; and you deceive him again, and he trusts you. Then you will say that he is a fool, he does not learn. His trust is tremendous; his trust is so pure that nobody can corrupt it. Be a fool in the Taoist sense, in the Zen sense. Don't try to create a wall of knowledge around you. Whatsoever experience comes to you, let it happen, and then go on dropping it. Go on cleaning your mind continuously; go on dying to the past so you remain in the present, herenow, as if just born, just a babe. In the beginning it is going to be very difficult. The world will start taking advantage of you...let them. They are poor fellows. Even if you are cheated and deceived and robbed, let it happen, because that which is really yours cannot be robbed from you, that which is really yours nobody can steal from you. And each time you don't allow situations to corrupt you, that opportunity will become an integration inside. Your soul will become more crystallized." - Osho
Estudar em Londres tem as suas vantagens, visto que as universidades daqui são obcecadas com servir os interesses vários dos estudantes. Daí as sociedades de tudo e mais alguma coisa, que vão de grupos desportivos a simplesmente gente que gosta de socializar. Acho que alguém devia criar a Chocolate Society, a sério. Conheço demasiadas pessoas nesta terra que iam passar lá a vida.
Como não podia deixar de ser, há uma sociedade dedicada a cinema e, como inglês não brinca em serviço, todas as semanas há uma sessão de cinema gratuita no campus, com uma sala como deve de ser (de fazer inveja ao nosso King! e ao nosso Monumental e ao Saldanha e...). Volta e meia, quando os filmes me interessam, lá vou eu pôr a minha cinematografia em dia com filmes que deixei escapar.
Foi o que aconteceu com este Vals Im Bashir (Valsa com Bashir, no nosso português). Conheci o filme porque esteve nomeado para Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2009 e era um dos favoritos. Chamou-me a atenção por ser de animação, não é muito comum filmes animados estarem nomeados, ainda mais nomeados fora da sua categoria. Vi umas imagens, vi o trailer e o estilo da animação agradou-me.
Apesar disso, fui para o filme sem saber muito sobre ele. Sabia que tinha a ver com guerra, mas nem sabia que guerra era. Basicamente, o filme, assim meio a jeito de documentário, é a história de como o realizador, Ari Folman, se apercebe que não tem memórias da sua participação na Guerra do Líbano, em 1982, e tenta recuperá-las, indo procurar companheiros de batalha e colhendo os seus testemunhos.
Não sou particular fã de filmes de guerra, mas Vals Im Bashir trata o tema com uma sensibilidade tocante, para não falar do realismo e simplicidade. O filme não coloca julgamentos na guerra e nos actos de guerra, dá ênfase, isso sim, ao que cada pessoa vive e sente quando está presente nessa situação. Foca os truques e reviravoltas da memória, para se proteger, para não esquecer. Acaba por ser um conjunto de pequenos retratos de cada interveniente, das suas experiências. Foi interessante ver os complexos de culpa pelos actos cometidos ou a culpa por simplesmente se sobreviver ao invés de morrer com os companheiros. Foi bastante curioso ver uma abordagem consciente e emotiva de Israel e do seu povo, que ainda hoje vive à sombra do Holocausto, mas que também comete horrores sobre os palestinianos... Não deixa de partir o coração ver soldados que lutaram terem noção que esses horrores são uma realidade e que eles não fizeram nada para os impedir, mesmo que muitas vezes não tivessem participado directamente.
Quando penso em guerras, penso sempre no lado humano mais cru, em como me sentiria se estivesse numa, em como as pessoas se devem sentir... Nunca nenhum filme, até hoje, me mostrou tão bem esse sentimento de perda, de participação, de actos de grande crueldade a meias com actos de grande humanidade do que é ser uma pessoa no meio de uma guerra como o mostrou Vals Im Bashir. E o mais curioso é que o filme é sobre uma guerra cuja existência eu ignorantemente desconheci até o ver. Estamos sempre a aprender.
Deixo-vos a sequência inicial do filme, que é estrondosa. Infelizmente, não a encontrei com legendas, mas há muito poucas falas. E as imagens falam por si.
A banda sonora também é qualquer coisa de muito bom. Tanto a instrumental criada para o filme, como as canções pré-existentes que ali encaixam na perfeição.
Vamos lá pôr os pontos nos iii... Comparada com a maioria dos meus amigos, eu sou musicalmente ignorante. Aquela gente tem gigas infinitos de música no PC, conhece mil e um artistas (ou mais!), nomeia álbuns e singles e músicas que estão a dar em qualquer contexto social, em suma, fazem-me sentir reles e burra no que diz respeito a esta arte. Mas, e porque eu sou uma pessoa decladaramente fã da relatividade das coisas, tenho noção que, ao pé de grande percentagem das gentes que por aí circulam, a minha cultura musical parece enciclopédica. Mais não seja porque a variedade de pessoas com que me dou fez-me conhecer uma grande variedade de artistas e músicas, que me permite encaixar razoavelmente bem na conversa de fãs de diferentes géneros.
Com isto em mente, há que saber que, por estes motivos e outros, sempre me considerei, de certa forma, uma espécie de music snob. Não tenho perfil para rebaixar por aí além os gostos musicais dos outros (a não ser quando adoram a Britney Spears ou algo do género... I mean, come on!!), mas há sempre aquela sensação idiota de arrogância por ser fã dos Beatles e abraçar a música da Tori Amos como se fosse minha. O narizinho empina-se ligeiramente por a colecção de CDs lá de casa exibir nomes como Jeff Buckley, Pearl Jam, Wolfmother, The Verve, Rufus Wainwright, Maria Rita, Sigur Rós, The Dresden Dolls... Claro que não dá para esquecer que a Internet fez o mundo ter acesso a mais e melhor música e por isso a estes se juntam amores por Emilie Simon, Kate Nash, Regina Spektor, MGMT, Yann Tiersen... Coisinhas boas, portanto.
Dito isto, e depois de muitos meses de conflito interior, eu cedi. E cedi porque o raio da música é indiscutivelmente catchy e atrevo-me a dizer que tem qualidade, quer em termos de melodia, quer no que toca a lyrics. Há que confessar que o momento que me fez passar de fã da música a fã da pessoa foi o momento 4.39. As coisas que se descobrem sobre nós mesmos...
Na altura em que primeiro me pronunciei aqui sobre a Lady GaGa, gostava da Bad Romance e pouco mais. A música dela não me dizia nada. Hoje, gosto do álbum (álbuns? The Fame+The Fame Monster) praticamente todo. E adoro ainda mais completamente a senhora.
Mas o que venho partilhar aqui hoje é a fabulosidade extrema do último vídeo dela.
Eu não sou culta o suficiente para absorver tudo o que se passa nestes 9.32 minutos de mensagens subliminares e conseguir passar-vos a ideia completa, mas quero tentar, nem que seja porque acho que o Mundo tem de perceber que a Lady GaGa é mais do que o choque e a controvérsia. A Lady GaGa tem algo a dizer e di-lo à sua maneira. Tem coragem suficiente para isso.
E portanto posso dizer-vos que a data de entrada da GaGa na prisão é uma homenagem ao amigo Alexander McQueen, estilista falecido precisamente nesse dia. Dá para vos dizer que a variedade de formas e estilos femininos na prisão é uma exaltação não só à mulher, mas é também um piscar de olho à comunidade LGBT, que a GaGa tanto adora. Dá para vos dizer, em completa adoração, que a GaGa nua contra as barras de ferro da cela, com as guardas a dizerem "I told you she didn't have a dick" é ela a gozar na cara da comunidade internacional por um rumor tão disparatado ter circulado tão insistentemente desde que a sua fama disparou.
Dá para informar as pessoas não tão fãs da Lady GaGa (ou seja, quem só conhece os singles), que a música que está a passar no rádio, no pátio da prisão, é dela também e se chama Paper Gangsta e é, entrelinhas, nada mais nada menos do que um hino a mais uma das mensagens que a GodGa tenta passar: "cause I do not accept any less than someone just as real, as fabulous" (nunca se contentem com o que é apenas razoável ou suficiente - eu aprendi sozinha, mas dá para aplaudir a GaGa à mesma).
Dá para dizer que os óculos feitos de cigarros (em diferentes estádios de consumo) e o telemóvel com o logo evidente da VirginMobile, são os primeiros indícios de uma longa lista de publicidade descarada a produtos reais e imaginários. Ao que parece, foi a GaGa que pagou o vídeo e teve de arranjar patrocinadores para alimentar tão cara produção. Óbvio que, estando nós a falar da Lady GaGa, ditos produtos surgem no ecrã de forma original (penteado com latas de Diet Coke? win!) e, logicamente, a publicidade a produtos imaginários é, em si, uma sátira à dependência que a arte tem do dinheiro.
Pessoalmente, pouco percebo de maquilhagem e não pretendo perceber mais do que o menos que essencial, mas consigo dizer-vos que a GaGa usa e abusa da maquilhagem, não para parecer mais bonita, mas para parecer mais artificial e estranha. Não há muitos artistas por aí que tentem parecer menos atraentes do que na verdade são.
Não há muito a dizer da sequência de dança que começa no minuto 3.19 a não ser que me deixa muito contente, porque inclui a GaGa e quatro bailarinas a percorrer um corredor da prisão em lingerie. Acho que é possível tirar ilações do facto de as bailarinas treparem as grades enquanto a GaGa simplesmente caminha, mas a minha inteligência não chega tão longe. Fez-me lembrar os macacos alados do Wicked e como nem trepar até ao topo lhes concedia liberdade.
A Lady GaGa vestida com a fita amarela das cenas de crimes... Não sei que significa. Eu apostaria numa referência ao CSI e a séries policiais do género, mas parece-me demasiado óbvio.
A guarda prisional que consulta o site de online dating (Plenty of Fish, existe mesmo!) é um shout-out à própria GaGa, que segundo a Q Magazine de Fevereiro se descreve como "a loser in love and an emblem to the people who feel innately insecure, not sometimes, not just in adolescence, but always". E não, não estou a dizer que ela vai a sites para encontrar potenciais interesses românticos. Estou apenas a dizer que ela se considera "a loser in love" (so do I!) e que orgulhosamente o partilha com os milhares iguais a ela.
O passo de dança à saída da prisão? Totalmente Michael Jackson. Se a Lady GaGa se apresenta como símbolo pop, homenagem ao Rei é indispensável.
Pussy Wagon e Beyoncé... *orgasmos visuais e culturais* O Pussy Wagon é referência descarada ao Kill Bill e ao Tarantino (o próprio tom satírico do vídeo tem muito do realizador). Mais do que referência descarada, o Pussy Wagon do vídeo é o Pussy Wagon do filme.
"You've been a very bad girl. A very, very bad, bad girl, GaGa."
*dies* Eu odiava a Beyoncé, percebem? Já não dá para odiar mais, depois disto e da All the Single Ladies (imortalizada no 1x04 de Glee). Não percebo a questão da sanduíche que elas partilham. Sugestões? Eu arriscaria dizer, visto que a Honey B a lança ao chão antes de arrancar e se vê o invólucro, que é mais um momento de publicidade descarada a alguma coisa (não consigo perceber a marca).
"You know what they say, once you've killed the cow, you gotta make the burger."
Yes, God, yes, YES! Não bastava Tarantino, tínhamos de ter duas das maiores artistas femininas do momento a emular esse clássico indisputável que é Thelma&Louise, em que duas mulheres se juntam na adversidade e juntas são mais fortes. Raios me partam que até este vídeo desconhecia que havia uma feminista escondida dentro de mim!
"You know, GaGa, trust is like a mirror: you can fix it if it's broke." "But you can still see the crack in that motherfucker's reflection."
Ah, claramente a GaGa fez parte da escrita do argumento...
Já referi que a Beyoncé está linda? Pois que está. E há um subtexto claramente lésbico em todo o convo entre as duas, mas lá está, como eu referi anteriormente, a GaGa adora os seus fãs LGBT e há vários momentos no vídeo em que a diferença, pelo menos no que concerne a sexualidade, é louvada.
Não sei que significam as fotografias... Gostava de saber. Mas é bonito e é algo muito comum nos dias que correm, entre amigos, entre amantes... Vivem-se aventuras, tiram-se fotografias. O facto de ser uma Polaroid talvez simbolize o culto do imediato que a sociedade actual instiga e favorece.
E eis que chega a parte que não percebo muito bem. Ainda estou à espera que as americanas da minha vida me dêem luz sobre este assunto. O facto de ser um Diner, ainda por cima no meio de nenhures, e haver bandeiras americanas espalhadas aleatoriamente como adereços faz-me supôr que estamos perante alguma forma de crítica à América ou, pelo menos, à América interior.
Pausa para referir que, depois desta longa análise, a Lady GaGa estava na prisão por ter morto o namorado no vídeo da Paparazzi e o vídeo da Telephone é ela a unir-se à Beyoncé para matarem o namorado desta e ficarem juntas. A arma escolhida é veneno, porque bem, veneno é uma metáfora comum no universo GaGa. Veneno social e cultural em que vivemos, que consumimos. (Poison e Poison TV são exemplos de publicidade a produtos inexistentes, btw.)
6.18 Chapéu feito com telefones! Go, GaGa! E lá vêm as sandes e as baguetes de novo... Símbolos fálicos?
Mais uma vez, chamo a atenção para a maquilhagem da GaGa, que não a torna mais bonita, pelo contrário. Há um olho que parece bastante maior que o outro e, embora a senhora não seja a rainha das simetrias, não é nenhum Quasimodo! Já agora, sublinho a inexpressividade dela em toda a sequência de dança e posterior homicídio em massa. Adoro.
Há que reparar no pormenor delicioso de o veneno estar no mel. Wink, wink, Honey B.
7.41 Sequência de dança em que elas têm peças de roupa com bandeiras americanas. E eu gostava de saber porquê. Bah. Dança gira, no entanto. Adoro, adoro a expressividade das mãos nas coreografias feitas para a GaGa. As mãos nunca são graciosas ou flutuantes, querem arranhar ou agarrar ou esmurrar ou demonstrar alguma coisa.
GaGa vestida de leopardo a dançar contra o Pussy Wagon? Não faço ideia que significa.
O final com a GaGa a prometer em sotaque do Midwest que fica com a sua Honey B e que nunca mais vão voltar? Fuck yeah, it's gay AND Thelma&Louise!
Quando vi este vídeo, senti que estava a assistir a algo marcante na história dos videoclips. Não digo que seja um Thriller, que por si só alterou a definição pré-estabelecida dos music videos, mas é algo diferente e poderoso e arrebatador.
Quando vi este vídeo, senti, senti verdadeiramente, acreditei, pela primeira vez na minha vida (e é uma vergonha para mim admiti-lo), que as mulheres podem ser tão ou mais fortes e inteligentes que os homens. E terem toda a legitimidade para tal.
Obrigada, GaGa. And people wonder why I love you this much?
MJNuts
Sou uma snobe musical, sim, sou um pouco, mas nunca vou ter um pingo de vergonha de mostrar abertamente a admiração imensa que sinto pelo teu trabalho e por ti enquanto artista.
Era para ter postado isto há algum tempo, quando aconteceu o que vos vou contar a seguir, mas depois passou-me.
No dia dos meus anos, que tristemente publicito sempre na blogosfera, postei uma dose de postais pessoais em que se incluía este. Que nem é postal, é o quê? Envelope? "Finding myself is terrifying and wonderful." Sinto-me a crescer e a aprender mais sobre mim nos últimos 6 meses do que nos anteriores 3 anos da minha vida. Às vezes, é algo que me preenche com uma sensação de plenitude e felicidade. Outras vezes, é desesperante. Há dias e dias. E há dias em que escolher o caminho negativo é infinitamente mais fácil do que sequer ponderar o lado positivo.
Descobrir-me é uma aventura. É percorrer mares e oceanos e mesmo assim ainda haver ilhas desconhecidas. É ser abertamente frágil e vulnerável, estar à mercê de todos e, apesar disso, conseguir ser, de forma quase irónica, mais forte precisamente por isso.
A passo lento, vou-me conhecendo e sabendo mais sobre mim. Aos poucos, vou ganhando certeza de quem sou, do que quero. E pobre dela, que tanto me atura. E o André, que recebe cartas e postais como se hoje em dia não houvesse telemóveis nem Internet. E a Kawaii, tantas horas de sono perdidas em conversas... O J., a R. (as R., na verdade), a Twin, a Lili... E os desgraçados que partilham, em corpo presente, esta aventura comigo.
Apesar de estar longe e de agora saber que, pelo menos por alguns anos, quero levar uma vida de viagens, aventuras e imprevisibilidade, sinto que finalmente deixei de fugir. O que antes reprimia e ignorava e recusava-me a enfrentar, é agora a direcção em que corro.
E às vezes é tão frustrante. Porque tudo se torna cada vez mais claro, mas há coisas a que não consigo dar a volta. É terrivelmente assustador ter noção de padrões de comportamento que são quase auto-destrutivos e senti-los a vir sem os conseguir evitar. É doloroso aperceber-me de medos que não sei de onde vêm, que não têm motivo de ser, mas que existem tão claramente como o bater do meu coração.
Ao menos, agora sei. Só tenho de ultrapassar a parte de não compreender e passar a aceitar, para poder combater.
Uma das coisas que mais me surpreendeu sobre mim (e é quase cómico, não fazia ideia que eu tinha a capacidade de me surpreender a mim mesma...), eu que sou uma pessoa de risco, do perigo, da adrenalina, que adoro pessoas... Bem, descobri que tenho um medo irracional que as pessoas me deixem. Isto soa estranho em português.
I'm terrified of people leaving. I don't know why. Nobody ever did.
É um pânico imenso que me consome e está na base de uma grande (enorme!) percentagem de comportamentos nas minhas relações interpessoais. Sociais, profissionais, amorosas, familiares, amizades... Está lá sempre. É um medo a que o meu ego/inconsciente/subconsciente/whatever reage tornando a minha maneira de agir uma ilusão do exacto oposto: volátil, desprendida, fria, carefree. As pessoas olham para mim e vêem um pássaro à sua volta, que adorariam poder agarrar, mas que sentem que vai eternamente fugir-lhes. As pessoas rodeiam-me e adoram a minha companhia, mas assumem instintivamente que é uma companhia fugaz, que há-de partir e deixar um rasto de risos e boas memórias. É difícil encontrar alguém que acredite na minha capacidade de ficar, de permanecer - alguém que não tenha anos e anos de convivência comigo. E mesmo assim... Se perguntarem a vocês mesmos, sem racionalizar, resposta automática: acreditam?
A culpa não é de ninguém, eu dou essa impressão. E quero muito que um dia as pessoas acordem e abram os olhos para realmente verem; tal como eu vejo infinita beleza na rapariga sem auto-estima que não consegue acabar com o namorado por medo de ficar sozinha, tal como eu vejo a fragilidade escondida da menina-mulher que se mostra tão independente e não consegue permitir que ninguém chegue perto, tal como eu vejo as camadas e camadas de mentiras no rapaz que se recusa a crescer e tem tanto potencial; para realmente verem que por detrás do que aparenta ser X ou Y, há invariavelmente uma história.
E eu não sei bem qual é a minha história que me fez assim, mas a verdade é que o sou. Sou-o de tal forma que, para enfrentar o medo de ver alguém ir, eu sou sempre a primeira a partir.
I'm terrified of people leaving. I don't know why. Nobody ever did.
Nobody ever did, because I don't let them. I leave, before they can.
Acho que a consciência deste medo há muito está latente em mim, simplesmente preferia fingir que não o via. Mas não consigo fingir mais quando ele me grita aos ouvidos em momentos mais recorrentes do que eu gostaria.
E é aqui que entra a história, a história que não faz sentido, que vos queria contar e que já queria ter contado há mais tempo. O momento em que me apercebi finalmente deste pavor que vive cá dentro.
Fui a Manchester e a Liverpool com a sociedade de Erasmus passar um fim-de-semana, há coisa de 2 semanas atrás. Manchester foi primeiro. Cidade feia, industrial, sem nada de especial. Deu para umas boas piadas, uma excelente refeição e uns quantos sacos de gomas e chocolates.
Ficámos num hostel com quartos de grande qualidade. Três ou duas pessoas em cada quarto, cada pessoa com a sua cama. Televisão e WC. Alguém se esqueceu de dizer ao gerente que, quando as condições são essas, hostel deixa de levar S. Eu fiquei na ponta longe da janela (6 meses no UK e ainda me custa a luz a entrar através das cortinas...), a Meghan ficou na do meio e a Ludivine ficou na outra ponta. Apagadas as luzes, a Meghan, podre e a adoecer, adormeceu. Eu e a Ludivine tagarelámos noite fora, durante mais de duas horas, sobre nós e as nossas vidas, as nossas alegrias, as nossas experiências, as nossas dores e os nossos amores. Nem eu sabia a falta que sentia de conversas assim, de momentos assim, em que as paredes que construímos para nós caem e partilhamos quem verdadeiramente somos, o caminho que fizemos até chegar àquele momento.
As pessoas ganham outra luz quando sabemos a história delas. E a Ludivine, em toda a sua alegria constante, na sua inocência, na insistência em não deixar morrer a criança que vive dentro dela (e de todos nós), teve uma vida tão complicada, sofreu tantas perdas e desilusões, que mais do que uma vez me apeteceu levantar e ir dar-lhe um abraço. Não o fiz. Ouvi-a apenas e deixei-a contar tudo, o que queria e o que não queria. E partilhei o vazio de traumas que, ainda assim, de alguma forma, resultou na complicação que sou eu.
A conversa foi esmorecendo. Dissemos as boas noites. Eu adormeci (adormeço sempre primeiro). De manhã, ouvi o despertador e acordei. Gosto de ser a última a levantar e elas já sabem isso. A Meghan foi a primeira a ir à casa-de-banho. Eu voltei a adormecer. Acordei quando a Meghan saiu e ela e a Ludivine começaram a tagarelar. Vi a Ludivine a entrar no WC e fechei os olhos de novo. Acho que dormitei uns momentos. Quando voltei a abrir os olhos, não vi a Meghan em lado nenhum.
Não consigo explicar muito bem que se passou comigo nesse momento. A Meghan é, hoje, uma das pessoas mais próximas que tenho cá - e é estranha esta rapidez no fortalecimento das relações, parece que as pessoas sabem que o fim, pelo menos o fim da convivência constante, é inevitável, então alimentam a intensidade de tudo. Na altura, a Meghan era uma moça porreira de quem eu gostava imenso e que tinha potencial para ser mais próxima, mas ainda não estava lá. Na altura, eu não sabia com que contar da parte da Meghan, não sabia o que esperar dela. Na altura, a Meghan não tinha qualquer tipo de obrigação ou de dever educado de esperar por mim e pela Ludivine em vez de seguir para o pequeno-almoço.
Quando voltei a abrir os olhos, não vi a Meghan em lado nenhum. E sabia que a Ludivine estava na casa-de-banho. Mesmo assim, não consegui evitar o pânico irracional que se apoderou de mim, o coração a explodir-me no peito. O medo de que ela se tivesse ido embora e me tivesse deixado sozinha. A Meghan, que ainda não era amiga. A Ludivine, que eu sabia que estava no WC. Eu sabia isto tudo e, no entanto, senti a minha pulsação a rebentar nos ouvidos, senti a respiração a ficar mais rápida e curta. Levantei o tronco de repente, para poder ver melhor o quarto, para poder procurá-la, para de alguma forma talvez a encontrar num canto mais escondido e ver que não me tinha abandonado.
A Meghan estava lá, ainda, semi-obscurecida, a acabar de se arranjar. Olhou para mim algo perplexa e continuou o que estava a fazer. Deixei as costas cair na cama e senti tudo cá dentro a desacelerar.
A Meghan não se tinha ido embora. Ainda estava lá. Mesmo que tivesse ido embora, estaria ainda no hostel, eu iria voltar a vê-la. Não me tinha abandonado, não o iria fazer, não tinha sequer para onde ir.
Quando finalmente me levantei, já tinha admitido para mim que tinha um problema irracional a afectar-me o comportamento. Um problema que há muito anda por cá.
E assim descobri porque sou tão simpática, porque tomo iniciativas tão persistentemente, porque, num contacto inicial, sou assertiva de tal forma que às vezes quase parece que forço uma ligação.
Assim descobri que preciso que, volta e meia, alguém me assegure "Não te preocupes, Maria, não me esqueço de ti". Eu só quero sentir que, apesar de ao longo dos anos me ter espalhado tanto, por tanto lado, por tanta gente... ainda faço parte de alguma coisa.
Eu sei que estou um pouco atrasada para a "festa", mas devido a este site e, mais precisamente, ao segredo 142, fui relembrada de uma situação que preferia esquecer...
Não sei se se recordam, mas Roman Polanski andou anos fugido dos Estados Unidos porque violou uma rapariga de 13 anos nos anos 70 (o testemunho da vítima está aqui e não é para gente sensível). Apesar de se ter dado como culpado (e de ter arranjado forma de só ser indicado por sexo com uma menor e não violação), conseguiu sair do país e andou décadas a fazer filmes alegremente, saltando de país em país, impune. Países europeus, sublinho com vergonha. Felizmente, a Suiça é um país de gente neutra e cumpridora e, assim que deram por tal criatura pôr lá os pés, extraviaram-no de volta para os US para pagar pelo crime que cometeu. Roman Polanski foi preso (mas já está em prisão domiciliária, fiquem descansados).
O que na altura me chocou, e ainda choca mais agora, que resolvi, por curiosidade mórbida, ir espreitar os nomes, foi a quantidade de artistas ditos decentes, inteligentes!, que fez pressão para a libertação do realizador... Para que ele fosse perdoado sem haver prisão, tribunal, nada. "Ah, isso foi nos anos 70, já passou!", "It was a little mistake!" (adoro esta!), "A arte e o artista não são a mesma coisa!", "Ele está arrependido e ainda tem tanto para dar ao Mundo...".
Caras celebridades... WHAT?!
Não interessa que tenha sido há 30 anos atrás! E aquela rapariguinha que foi violada e teve de sofrer as consequências disso o resto da vida? Teve de ter pesadelos e sentir-se culpada e aprender a viver consigo mesma sabendo que há pessoas nojentas neste Mundo e que, com elas presentes, não é garantido que consiga ser feliz e leve e serena e despreocupada? Não me interessa que essa rapariguinha agora já esteja nos 40 e tenha sido quase forçada, por pressões sociais, a perdoar oficialmente Roman Polanski. Sou a favor de perdão e de não guardar rancor, sou, sim. Espero que ela tenha mesmo conseguido perdoá-lo, no seu coração, porque isso a vai fazer viver melhor consigo mesma, com o que lhe aconteceu. Mas isso é ela. Ele continua a ser um canalha da pior espécie que tem de pagar pelos seus crimes. Lá por ser rico e famoso, não significa que seja mais que os outros!
Olhem para esta lista de algumas das ditas celebridades justas e decentes e chorem comigo, meus amigos:
- Woody Allen, Pedro Almodovar, Wes Anderson, Jean-Jacques Annaud, Asia Argento, Darren Aronofsky, Paul Auster, Monica Bellucci, Penélope Cruz, Alfonso Cuaron, Jonathan Demme, Harrison Ford, Stephen Frears, Terry Gilliam, Alejandro Gonzalez Inarritu, Jeremy Irons, Wong Kar Waï, Milan Kundera, Emir Kusturica, David Lynch, Michael Mann, Sam Mendes, Jeanne Moreau, Mike Nichols, Alexander Payne, Natalie Portman, Salman Rushdie, Martin Scorsese, Steven Soderbergh, Tilda Swinton, Kristin Scott Thomas, Wim Wenders.
Sem querer ser má, mas Woody Allen, quer-se dizer... Quem acaba casado com a filha adoptiva, não há muita volta a dar. Mas tu, DarrenAronofsky? Tens noção do respeito que te tinha? Como é possível alguém com sensibilidade para fazer tantas obras-primas de pura natureza humana estar a favor deste descalabro? Milan Kundera? Tu também, Wong Kar Wai? Tão delicado, tão meigo nos teus retratos de pessoas e suas relações...
Não tenho palavras. E sim, eu sei que isto já está a cair de podre de há tanto tempo que foi o escândalo. Mas continua a ser mais uma demonstração da sociedade no que de mais reles tem e todos temos o dever de lutar contra o que está errado.
E o pior... O pior são as mulheres. Como é que se pode estar a favor de alguém que violou uma adolescente? Uma de nós?! Natalie Portman... Parte-se-me o coração. E a Monica Bellucci parece que não aprendeu nada com o Irréversible.
É quando sou relembrada de coisas destas que fico sem perceber porque gosto tanto de pessoas e acredito tanto que a humanidade, algures muito escondido, tem um fundo bom.
E o que mais me irrita é que, moralmente, eu deveria boicotar esta gente e deixar-me de dar dinheiro aos seus filmes e livros. Mas por muito atrasados mentais que sejam, não foram eles que cometeram um crime hediondo e então aqui sim, se justifica dizer que a arte não é o artista. Mesmo que o meu respeito pelos artistas tenha desaparecido. Já agora, posso sempre desejar-lhes que nunca sofram na pele o que a tal menina de 13 anos sofreu. Estou bastante certa que os seus nomes iam deixar de constar na lista.
Confundo os sonhos com as memórias. E as memórias com os desejos. E os sonhos são desejos que eu não sabia que tinha.
Surgem assim, indiscretos. Não os quero ter e repudio-os. Mas tomam forma em mim e despertam as lembranças apagadas. Incendiam os laços escondidos.
E é mentira, é segredo. É possível, faz sentido? Posso ter, quero ter?
As emoções são uma teia perigosa. Aquilo que não se pode controlar é uma fonte inesgotável de dores absurdas. O que não se pode contar é uma bomba prestes a implodir.
O que fica cá dentro é um universo de novelos. Nós e pontas soltas. Linha desfiada. Posso fazer deles uma peça?
Não há como evitar, só há como aceitar. E enfrentar e ultrapassar. E é um sonho que se perdeu, que nunca se desejou. E que surgiu de um sorriso.
"Vi um sorriso que lembrava o paraíso"
Os olhos brilham. Não há beleza maior que um olhar brilhante. E as mãos protegem.
Todos os gestos começam nas mãos.
MJNuts
Isto, na verdade, foi escrito há quase três anos... Acho curioso ver como há padrões de comportamento tão persistentes.
Gostava de ter coisas lindas para dizer como o Guess tem... Mas por ora não tenho. Ou quando tenho, envio cartas em vez de contribuir para o sucesso do meu próprio blog. Do nosso blog.
À falta de palavras, a chave está sempre em partilhar.
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali...
A minha glória é esta: Criar desumanidade! Não acompanhar ninguém. - Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, E vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes pátria, tendes tectos, E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... Eu tenho a minha Loucura ! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém. Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se soltou. É uma onda que se alevantou. É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou - Sei que não vou por aí!
Poema e vídeo que ela me mostrou e que são, afinal, tão cruamente eu... Obrigada.
É uma manhã em que me sinto com vontade de ir para a faculdade. São poucas as manhãs em que me recordo de ter a energia que me motiva a caminhar para o comboio para o qual não estou atrasado. Vai ser um bom dia.
Não consigo chegar até junto dos meus colegas porque ele me chama e me diz que te encontrou e que lhe dói ver-te. Estás deitado junto à entrada principal do edifício da faculdade. Sou sincero contigo: não te acho o cão mais bonito do mundo, mas, mais tarde, vou perceber que estás mais perto de o ser do que agora o acho. Foste atropelado? Que te aconteceu? Tens a pata de trás toda esventrada em sangue. Consigo ver várias feridas, algumas bem fundas, consigo ver parte do teu osso. Levantas-te porque queres receber uma festinha. Não consegues pousar a pata no chão. Não é um bom começo. Acabo de te conhecer e já me fazes sentir pena de ti. Uma coisa é certa: estás abandonado. Acho que tens a sorte de ter vindo parar ao sítio certo. Há por aqui muito boa gente que não consegue passar por ti e ficar indiferente à beleza triste que existe no teu olhar. Adoro o teu olhar. Tens muita coisa nele. Consigo ficar a olhar para ele durante muito tempo. Que vou fazer contigo? Olha para mim, já estou sentado ao teu lado e já não consigo tirar a mão de cima de ti. És tão bonito. Que vou fazer contigo? Falo com a senhora da recepção do Dept. de Teatro, mas parece que ela já se adiantou. Chamou o Canil para te levarem.
Não quero canil nenhum. Obrigado, minha senhora, por ter tratado do assunto com tanta paixão. Ok, pronto, talvez não saiba que o Canil mata os cães se ninguém os procurar num prazo máximo de 15 dias. Já são quase 10h, mas não posso ir para as aulas e deixar que o Canil te leve. O que me irrita é que eu consigo ver no teu olhar que não precisas de mim. Que consegues continuar o teu caminho e deixar-me para trás. No entanto, vens atrás de mim e conheces duas meninas que, apesar de ainda não o saberes, não vão descansar enquanto não estiveres bem. A carrinha do Canil aparece com uma rapidez surpreendente. É a imagem do terror. Uma bagageira enorme onde se podem ver desenhados um cão e um gato que sorriem traiçoeiramente. Dois homens encorpados, vestidos com a mesma farda azul. Recolha de Animais o tanas! Acho que compreendes o que aquilo significa porque estás a apressar-te para a entrada do edifício, o mais longe possível dali. Eu falo com os senhores e digo-lhes que os seus serviços não são mais necessários, que se encontrou alguém para tomar conta de ti. Quem? Eu. Eu vou ficar contigo, eu tomo conta de ti. Com isto, comprometi-me. És meu para o resto do dia.
Depois dos homens partirem, ligo para a União Zoófila. Eu sei que eles podem ficar contigo até seres adoptado (mesmo que isso signifique ficares naquele lugar a vida inteira). Parece-me uma solução viável. Talvez prefiras continuar a deambular pelas ruas. Será que preferes? Odeio esta parte de mim que nunca percebe se está a fazer o que está certo. Vou ignorá-la, pode ser? Há um pequeno problema: devido aos temporais que têm assombrado Lisboa e não só, o albergue da União Zoófila está virado de pantanas e, neste preciso momento, eles não conseguem receber mais animais. Ela diz-me que fique contigo durantes uns dias até o problema estar mais ou menos resolvido. Acho que é o melhor que consigo arranjar, pode ser? Não te importas com isso. Queres deitar-te ao sol. Adoras que te dê festinhas. Eu dou-te festinhas. Não consigo parar de o fazer, seja como for. Ligo para o consultório da União Zoófila e eles aceitam receber-te hoje a qualquer hora. Vais ao v-e-t-e-r-i-n-á-r-i-o. Alguma vez ouviste esta palavra? Se a tua resposta é essa indiferença adorável, é porque és mesmo um cão abandonado. És novo, apesar de já pareceres muito crescido. A vida está a ser pesada para ti, eu sei que sim. Há uma outra menina que está disposta a abdicar do seu almoço para ir connosco ao veterinário. Só temos que esperar que a aula termine.
Os alunos passam por nós. Eles gostam de ti. Fico feliz por seres um bom promotor de comunicação. Eles falam comigo sobre ti e querem todos saber o que se passa contigo. Tu não queres saber de nenhum. Apenas quando percebes que eles trazem comida. Alguns dos alunos não percebem aquilo que eu estou a fazer. Perguntam-me pelos restantes 400 cães que estão abandonados por Lisboa. Perguntam-me porque é que não pratico estas boas acções com as pessoas que também vivem na rua. Com elas, partilho a tua indiferença. É a primeira vez que estamos os dois de acordo. Sinto-me mais próximo de ti. Sinto-te mais meu. Sei que já não queres ir a lado nenhum. Não porque sou eu que está ali, mas porque, ali, dão-te comida e festinhas. Ah, e porque há um tipo que está sempre sentado ao pé de ti. Também deve saber bem, creio eu.
As três meninas vão connosco ao veterinário. Temos sorte por ela ter uma carrinha. Tens sorte por eu não me importar de ir contigo na bagageira que, apesar de tudo, consegue bem com nós os dois. Não gostas de andar de carro, já percebi. Não gostas de olhar pelas janelas. Preferes esconder a tua cabeça junto das minhas pernas e ficares muito quietinho e ali aninhado até chegarmos. A médica demora a atender-te e, naquele momento, sabemos que estamos já atrasados para a aula da tarde. Portas-te como nunca vi um animal portar-se durante uma consulta. Estás calmo, paciente, cooperas com a médica. Estás triste. Ela fala para mim sobre tudo o que se passa contigo. Como se eu fosse o teu dono. Sinto-me responsável por ti. Quero proteger-te. Levas umas quantas picas e saímos de lá com comprimidos, receitas para levantar e uma amostra de uma ração que eu sei que vais adorar.
Por falar em ração, espero que compreendas que elas precisam de se alimentar. Eu não tenho fome, apesar de ainda não ter comido nada. Elas querem parar no McDonald's para comprar qualquer coisa bem depressa. O teu manifesto quanto a esta decisão é bastante claro quando vomitas a bagageira onde nos encontramos. Quando paramos, elas vão comer. Eu trato de limpar aquilo que sujaste. Não te vou mentir nesta parte, não penses. Foi o vomitado mais nojento que alguma vez limpei. Ela é realmente boa pessoa. Não acho que emprestasse o meu carro sabendo que poderias vomitar nele. O nosso espaço está mais ou menos limpo e estamos prontos para partir. Conseguimos chegar a tempo para a última hora da aula. Mas por muito rápido que vamos não conseguimos escapar ao facto de ainda não termos encontrado um sítio para tu ficares, enquanto esperas para ir para o albergue. Já ligámos para tanta gente... Parece que Lisboa + apartamento + cão não são coisas que se combinem por estes lados. Temos que arranjar uma solução.
Vomitas mais uma vez mesmo antes de chegarmos à faculdade. Desta vez, não tenho tantos jornais nem papéis para limpar a porcaria que sabes que fizeste, mas trato daquilo o melhor que posso. Pobre rapariga. O carro dela está uma autêntica pocilga. Fico surpreendido por saber que esperas por mim, que esperas por nós. No entanto, não me sinto seguro por andar contigo na rua. Tenho medo que me fujas. Não quero que fujas de mim e sei que a razão pela qual não o quero é porque já perdi demasiado tempo contigo para voltares a ser um cão abandonado. Acho que, na verdade, não me importa se queres continuar um cão vadio. A partir deste momento, não tens mais voto nesta matéria. Vou cuidar de ti e vais ser entregue à União Zoófila, que te dará as melhores condições possíveis. Falta apenas uma hora para a aula terminar e eu não quero ir. Não quero correr o risco de deixar-te cá fora e não voltar a ver-te nunca mais. Eu sei que estás bem entregue comigo. Tu também o sabes.Vais sabê-lo. Sabes?
Mais uma vez, fico contigo cá fora à espera delas. Não estou preocupado em ter falta ou não aprender o que quer que seja que esteja a ser ensinado. Sei que aquela aula serve para pensar em sexo. Prefiro passar tempo contigo. Tu preferes dormir. Devoras a ração que a veterinária nos ofereceu. Adormeces novamente. As pessoas continuam a passar. Falam comigo, falam connosco. Partilham as histórias das suas vidas que envolvem animais. Querem dar-te comida, mas a única coisa que permito que te ofereçam são festinhas. Tenho medo que vomites as porcarias que te querem dar. Começo a sentir orgulho em ter-te. Levantas-te do teu lugar e sentas-te ao meu lado, nas escadas. Estás cansado e queres dormir e, apesar de tudo, fazes um esforço para ficar ao pé de mim. Começas a adormecer e deixas a tua cabeça cair para a frente repetitivamente, tal como eu deixo quando adormeço nos transportes. Os medicamentos devem estar a fazer efeito. Coloco a minha mão por baixo do teu queixo e deixo-te adormecer ali. Olho para ti e fico feliz por já termos arranjado um sítio para ficares. Ficas em casa de uma das meninas até a União Zoófila estar pronta para te receber. Sei que vais gostar daquela casa. Eu vou lá visitar-te. Todos os dias.
A aula termina e elas voltam com mais companhia. A menina que conduz não nos pode levar até à casa onde vais ficar, mas vai nos deixar suficientemente perto para podermos ir a pé. Vomitas mais uma vez durante a viagem e eu já não reajo. Não conto a ninguém e mantenho-me calado. Tu olhas para cima, para mim, porque sabes que fizeste porcaria, mas eu sorrio e beijo-te a cabeça. Fico feliz por seres inteligente ao ponto de saberes que não deves deitar-te ou estar perto do teu próprio vomitado. É coisa com que não queres ter mais nada a ver. Consigo olhar para o teu vomitado sem sentir nojo. Deitas a cabeça sobre o meu colo e adormeces o resto da viagem que fazemos, mais uma vez, juntos naquela bagageira. Somos deixados no centro de uma cidade movimentada. Carros, pessoas, muito movimento e eu sei que estás assustado. Não confio em ti para andares ao meu lado. Não tenho trela para te levar. Tenho meu cinto da Pepe Jeans. Coloco-to à volta do pescoço e faço-te uma coleira que te assenta na perfeição. Caminhamos por aquelas ruas movimentadas, junto à estrada onde os carros passam. Sinto-me feliz, sinto-me em paz. Acho que é a primeira vez que, sozinho, passeio um cão que é mais meu do que qualquer outra pessoa. Finjo que estou a passear o meu cão. Finjo que não tenho nenhum sítio para onde ir e que estou apenas a passear-te. Tu estás contente a descobrir o mundo, a cheirar tudo à tua volta. As pessoas olham para ti, olham para nós. Ficamos bem juntos.
Lá mais à frente, encontramo-nos com ele. Tenho amigos que se preocupam contigo, que te querem conhecer, que se preocupam comigo, que me querem ajudar. Eu e tu ficamos felizes por o ver e continuamos a caminhada com mais um ajudante. Vamos para casa da menina que vai ficar contigo e que já lá está à tua espera. Quando lá chegamos, a cara dela não inspira felicidade nem segurança. Tu próprio o percebes porque hesistas entrar no apartamento. Recusas a mexer-te. Tenho que te pegar ao colo para te levar para dentro. Ficas em pé no sítio onde eu te pouso nos minutos seguintes. Estás com medo. Estás cansado. Estás triste. Vais para um canto de uma divisão e deitas-te no escuro sem dizer nada a ninguém. Sem sequer passarem 15 minutos, a campainha toca e sabemos imediatamente que são problemas a bater à porta. O senhorio quer-te dali para fora. Não podes ficar naquele lugar nem uma noite.
Pego em ti para irmos embora, mas tu recusas a mexer-te. Não obedeces quando te chamo. Ignoras-me. Estás a morrer? Como está a tua pata? Pego novamente em ti e levo-te para fora. Fazes uma enorme luta para não sair para a rua. Não te percebo, às vezes. Temos que limar algumas arestas se esta relação continuar. Já é de noite e não sabemos para onde ir. Mais uma menina vem ter connosco para te ajudar, mas também ela não tem a solução para os nossos problemas. Que fazemos, então? Caminhamos pelas ruas os 5, sem destino de paragem. Começamos a ligar para todas as pessoas que conhecemos. Amigos, ex-amigos, colegas, ex-colegas, namorados, ex-namorados, professores, ex-professores. Toda a gente. Toda a gente e ninguém te pode receber, mesmo sabendo que se trata de uma estadia temporária. Por fim, sentamo-nos num passeio. Já é tarde. Ponderamos a hipótese de ficares num hotel para cães. Pondero a hipótese de te deixar a dormir na minha garagem com um pedaço de cartão e um cobertor. Em minha casa não és bem-vindo.
Vamos ter com outra menina que mora ali perto e esperamos à porta do prédio dela. É nesta altura que decido testar a tua fidelidade para comigo. Será que já a tens? Soltamos-te do cinto e tu permaneces sentado. Eu começo a afastar-me sem olhar nunca para trás. No meu décimo passo, sinto-te a correr para junto de mim. Sorrio para ti e abraço-te. Não estou contente com o nome que te foi dado. Não quero que te chames assim. Ainda não encontrei nada que te sirva. Gostei quando ele sugeriu que te chamasses Papuça, mas não me parece que aceitasses o nome de bom grado. Sei como és esquisito. Sentamo-nos nas escadas do prédio da menina que lá mora. Estás tão cansado que rapidamente adormeces. Permanecemos os 5 junto de ti. Não queremos estar lá fora porque está frio. Enquanto dormes, nós pensamos numa solução, mas não sabemos o que fazer. Continuamos a ligar para quem nos vamos lembrando, mas sempre sem sucesso. Permanecemos naquele lugar durante muito tempo. Tenho a estranha sensação de que estamos à espera de alguma coisa. Sinto que estão coisas a decorrer e que estamos à espera delas, pois serão a solução para os nossos problemas. Outra vezes, lembro-me que não passamos de um grupo de amigos e um cão, sentados nas escadas de um prédio velho sem objectivo algum.
Eles têm fome e vão-se embora para comer. Ficamos os dois. Como no princípio, lembras-te? Quando eles partem, tu acordas para me fazer companhia. Desces as escadas para junto de mim e começas a lamber-me a cara. É o meu primeiro instinto afastar-te, mas rapidamente percebo que foi o gesto mais carinhoso que tiveste para comigo. Adormeces ao meu lado. Será que preferes morrer? A vida é uma m*rda, eu sei. A vida é um grande peido azul no meio do Universo (especialmente para ti). Gostava de perceber se o que faço está correcto. Não aos olhos dos outros, mas aos teus olhos. Estás contente por estar a fazer isto por ti? Não consigo percebê-lo. Não faz mal. Encontrámos uma casa para ti. Um menino veio agora ter connosco e, em poucas chamadas, encontrou uns amigos que podem ficar contigo temporariamente. Somos agora 6 pessoas a tomar conta de ti. Fazemo-nos novamente à estrada fria e tardia. Temos que ir a pé para lá, mas eu não me importo. Eles vão mais à frente e eu vou contigo cá atrás e canto para ti e fico feliz por seres o meu cão naquela noite fria.
Estás cansado. Eu paro de vez em quando para te abraçar e dar-te mais festinhas. Andamos, andamos, andamos. Estamos quase a chegar. A noite já vai longa e nós também. Por vezes, deparamo-nos com sinais e com postes no nosso caminho. Quero testar a tua perspicácia e deixo-te tentar passar por um lado, enquanto eu estou a passar pelo outro. Com um cinto a prender-te é difícil que consigamos os dois passar cada um pelo seu lado. Testo-te três vezes, mas tu nunca consegues perceber o problema. Ficas a olhar para mim com aquele teu olhar perdido e eu dou a volta e passo pelo teu lado para continuarmos a viagem. Chegámos.
A casa está cheia de pessoas. É pequena. Estás com pulgas e estás a morder-te. Tenho medo que eles reparem e que te mandem embora. Procuro parar-te, mas tu não consegues controlar. Elas estão a atacar-te com força. Estás tão cansado e deitas-te imediatamente no chão do corredor. Eu e os outros meninos temos que ir embora. Ficas bem? Não sei. Eu vou voltar para te buscar e te levar para o teu albergue. Vamos estar juntos novamente. Temos que partir. Quero-me despedir de ti e quero que seja especial. Também eu estou cansado e tenho já poucas forças para me manter no chão, junto de ti, para me despedir decentemente. Começam a dar-te festinhas e tu ficas derretido. Eles gostam de ti. Acho que não te importas que eu vá. Eu sei que não te importas. Levanto-me e afasto-me para junto da porta. Os meus amigos já estão lá em baixo, à minha espera. Na porta, olho para ti porque quero que repares que me vou embora. Quero que te levantes. Quero que venhas ter comigo. Quero que fiques a arranhar a porta quando eu a fechar. Quero que ladres. Quero que te importes. Mas tu não olhas mais para mim. Fecho a porta e desço as escadas.
Hoje, não sei de ti. Não sei onde estás. Não sei para que casa foste reencaminhado. Não sei como estás. Mas eu vou buscar-te muito em breve. Lembrar-te-ás de mim? Farás uma grande festa quando me vires novamente? Abanarás a cauda quando eu entrar na sala? Eu ainda penso em ti.