Monday, October 11, 2010

Becoming


Será que ainda vou a tempo? Será que ainda vou a tempo de ser o meu melhor Eu? O meu Eu mais Eu? Será que ainda consigo libertar-me da languidez e erguer-me das areias movediças do marasmo? Vinte e quatros anos e todos os dias descubro mais caminho a trilhar, mais noções inesperadas, mais barro a trabalhar em mim… Como uma casa para sempre inacabada, em constante renovação, os meus quartos expandem-se e mirram, encontro espelhos em corredores que não sabiam que existiam, clarabóias e lareiras em barracões, abismos entre o soalho de madeira que jurava ter consertado.

Sou fonte de energia em bruto que não sei converter em movimento, em expansão, em evolução. Não sei como queimar o meu carvão, iniciar a minha revolução industrial. Queimo por dentro, consumindo as paredes dessa casa, com a certeza de que caminho inexoravelmente para o meu fim, para a minha supernova. E mirro, como papel a queimar, colapso sobre mim mesma e desapareço. E é tanto (mas tão pouco!) para ver, para conhecer, para ser. E o meu lado mesquinho conquista-me e as minhas inseguranças impedem-me de ser mais eu. Fico presa nesta crisálida, nem verme nem ser alado. Disforme. A meio. Inacabada. Não realizada.

A minha casa é uma prisão. Sou presidiário, guarda, grade. Chave! Mas onde anda ela? Tantas são as gavetas, as portas, os armários! Já para não falar na cave…

E é o fluxo constante de dor. Alicerces da minha existência, que enquanto expostos, sem estuque ou cimento que os proteja, estão constantemente à mercê das intempéries, do alheio, do acaso, dos outros e do seu intento destrutivo… ou boas intenções.

Seria mais fácil com um construtor dedicado? Uns dias penso que sim, outros dias grito que a alvura das minhas paredes só a mim me cabe erguer, para que, aí sim, outro entre elas possa encontrar conforto e, enroscado em frente à lareira, atiçar o meu aconchego, aquecer a minha casa, com lenha de árvores exóticas, à qual vou estranhar o sabor.


Lili

6 comments:

Pintas nos Olhos said...

Há textos que vêem nas alturas certas. Este é um deles. A cada frase que li, me identifiquei, encontrei um espelho:"e as minhas inseguranças impedem-me de ser mais eu. Fico presa nesta crisálida, nem verme nem ser alado. Disforme. A meio. Inacabada. Não realizada."

Isto fez-me lembrar do poema "Quase" de Mário de Sá Carneiro, que é de resto o meu poema favorito, talvez por isto:

"Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo … e tudo errou…
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…

Momentos de alma que,desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…"

"para que, aí sim, outro entre elas possa encontrar conforto e, enroscado em frente à lareira, atiçar o meu aconchego, aquecer a minha casa". Precisamente!!!

Morcegos no Sótão said...

Esta' perfeito, este pedacinho de ti...

Um dia de cada vez. Ninguem e' mais tu que tu. Tens de conseguir. =)

MJNuts

Poppie said...

Na rua de São Lázaro, há uma porta azul grafitada que poderia bem ser a imagem a acompanhar este texto.

Morcegos no Sótão said...

Está visto que eu e tu somos pessoas que temos de nos conhecer! E a Maria deveria trabalhar em tal acontecimento com a maior urgência!
Escusado é dizer que adorei o poema e quase bati em mim mesma por não o conhecer mas confesso que a poesia é um gosto que fui adquirindo lentamente e que sou muito esquisita no que toca ao mesmo. Mas o Sr. Sá Carneiro vem da escola! Eu já devia conhecer e adorar! Tá mal!

Fico muito feliz por te ter tocado.

Maria:
Não temos todos de conseguir? :p Andamos todos nisto... some with houses more beautiful, sturdier or better equipped than others.
Não fales comigo como se eu fosse special needs, filha! XD

Lili

Morcegos no Sótão said...

Tenho sempre dificuldades em acertar no que te digo... lol Acho que nunca acertei. Soa-te a cliche', a fala-barato, sao tudo coisas que ja' sabes... Es, certamente, mais sabia que eu e nao ha' nada que te possa ensinar por palavras. ;) Mas so' queria transmitir forca e demonstrar-te que gostei do texto e mostrar-me ainda mais feliz por teres escrito algo que te e' tao pessoal, coisa que tu propria dizes ter relutancia em fazer... This was love made in words,

Anyhoo, a mocinha do poema e' a Marta, que nao conheces porque nunca esta' em Lisboa nos meus anos! LOL

MJNuts

Morcegos no Sótão said...

Olha sou mais sábia que ela... Tem dias! XD
I know you know me and love me, clumsy and cliched wording or not :p

Marta, é isso! Eu sabia o nome dela! Mas tu trata-a sempre por Twin... É verdade, nunca esteve presente quando eu estive presente não senhores. Espero que haja oportunidade!

Lili