Friday, May 28, 2010

Saudades

Estou cheia de saudades de tanta coisa... Será do fim do Erasmus? Talvez. Mas a verdade é que, embora deva tanto a esta experiência, não vejo a hora de sair de Londres, voltar a Portugal, viver os meses de Verão em que tanta coisa boa me espera. O que podia viver e aprender aqui, já vivi e aprendi. Agora quero mais.

No entanto, sinto saudades de tudo.

Sinto saudades do meu melhor amigo, do meu irmão, o meu grande amor?, confortavelmente instalado numa bicicleta a pedalar perto de mim, muitas vezes à minha frente, às vezes lado a lado e quase nunca atrás de mim.

Sinto saudades da cama desarrumada da F., de estar lá esparramada a ver coisas palermas no computador e a ouvir músicas vergonhosas, enquanto tento decidir que hei-de comer entre tanta escolha boa. Tenho saudades de lhe poder enviar mensagens grátis sempre que me apetece a dizer parvoíces ou a partilhar as minhas dores. Tenho saudades das suas palavras quase sempre acertadas estarem a 10 minutos de distância, em vez de a 1585 quilómetros. Tenho saudades de como os nossos gostos e vidas culturais cresceram juntos e em comum.

Sinto saudades do ar exasperado da Twin porque eu digo tantas coisas que lhe soam absurdas mas ao mesmo tempo ela não consegue evitar gostar de mim e ajudar-me a ser mais carinhosa.

Tenho saudades da R., de ir às compras com ela, de me sentir mais bonita por ouvir as sugestões dela, de ouvir as sabedorias que ela tem para partilhar, de sorrir interiormente com as pequenas partes só dela que ela me consegue mostrar.

Tenho saudades do ATL, essa grande entidade que, na minha cabeça, me define tanto como pessoa. Tenho saudades dos miúdos, tenho saudades das actividades com água, tenho saudades dos almoços, tenho saudades das cantorias, tenho saudades das noitadas a preparar coisas. Sinto falta daquele calor quase, quase abrasivo que só existe no Zoo, que torna as sombras tão acolhedoras. Tenho saudades de cumprimentar pessoas que só conheço de vista e de gozar com os outros animadores. Tenho saudades de como um sorriso meu parece acalmar pais com dúvidas. Tenho saudades das conversas à boleia com a C.. Tenho saudades de ser feliz naquele local que me viu crescer e tornar-me melhor e é uma casa para mim, o local a que vou sempre voltar enquanto puder.

Tenho saudades da minha mãe adoptiva, de ouvir a voz dela, de saber que, por muito tempo que passe, o amor que temos uma pela outra ultrapassa distâncias e meses sem comunicação. Tenho saudades da irmã de coração que veio antes dela e do refúgio que ambas são para mim.

Tenho saudades da Giovanna e do quanto já tivemos e vivemos juntas. Tenho saudades das noites criativas e dos jantares naquela que ainda é a minha cozinha preferida. Tenho saudades dessa pessoa que também era eu, que escrevia mais e lia muito, muito mais. Sinto-me estúpida e ignorante, Jo. Tenho saudades de nós. Will you have me back?

Tenho saudades da minha amiga C., com o seu olho azulão, que há anos e anos me parecia uma adolescente com a sua pele de bebé e agora carrega nos ombros a sua família (e ainda tem pele de bebé!) com uma força e paixão inspiradoras. Tenho saudades de como passa tanto tempo sem nos vermos ou falarmos, mas ela não sai do meu coração e a conversa é sempre tão fácil...

Tenho saudades daquelas montanhas imperiosas da terra do meu pai, da paz e plenitude e esperança que representam. Tenho saudades de não ter rede no telemóvel e pouco me importar por isso.

Tenho saudades de ver os meus pais estendidos no sofá, cada um na sua posição clássica. Tenho saudades do silêncio confortável entre ambos e de me sentar aos pés do meu pai a ler.

Tenho saudades dos infinitos pequenos gestos que a minha mãe faz por mim, como compra os doces que por acaso me apetecem ou me substitui o gel de banho que já estava a acabar por um ainda melhor: gestos que eu vejo e me esqueço quase sempre de agradecer.

Tenho saudades da minha prima R., de falar abertamente com ela, de ir passear ou ao ir cinema, estar apenas com ela, à vontade, na galhofa, estarmos bem. Tenho saudades das tantas coisas fantásticas que sei que ela é e que ninguém repara olhando para ela sem a ver.

Tenho saudades da minha madrinha e dos seus adoráveis putos, que já têm o mais bonito coração que Portugal pode conhecer (e só podiam, com os pais que têm). Tenho saudades da serenidade que ela me transmite e tenho saudades de sentir que posso admirar e respeitar tanto outra pessoa.

Tenho saudades do meu avô e do orgulho que tenho nele.

Tenho saudades da minha prima S. e do quão forte ela é, tantas dores que já ultrapassou... Tenho saudades de ver aquele seu brilhozinho nos olhos enquanto alinha nas brincadeiras do N.. Tenho saudades do amor que me entra peito adentro quando ela me mostra que é possível permitir que haja alegria nos nossos caminhos, apesar de tudo. Tenho saudades de sentir que nela, aquela citação tão batida e esmorecida do Fernando Pessoa, se torna música para os meus ouvidos: "Pedras no caminho? Guardo todas. Um dia vou construir um castelo...".

Tenho saudades da minha prima M. e da ternura que me inspira, como a acho tão patareca de uma forma adorável. E até tenho saudades daquele puto loiro que corre por ali e que me conseguiu conquistar.

Tenho saudades da minha tia T. e de como ela, de uma forma tão diferente do que ensinam na escola, do que ensina o feminismo, do que me diz toda a racionalidade, é o mais firme exemplo de grande mulher em que os meus olhos já pousaram. Tenho saudades de às vezes ela me fazer parar, a olhá-la sem conseguir ter palavras, porque nunca na minha vida vi um rosto tão lindo e tão cansado e com tanta força e tanta doçura...

Tenho saudades da minha família. Não tenho saudades nenhumas do meio-segredo que com eles não partilho e que me faz ser tão pior com eles do que deveria...

Tenho saudades das noites de jogos com os dois irmãos que a Vida me trouxe. Tenho saudades da forma como um é tão sacana a jogar e o outro tão distraído. Tenho saudades da forma como eu sou um meio termo. Tenho saudades das pipocas da receita secreta e da tensão ansiosa que a atmosfera toma quando jogamos à estalada.

Tenho saudades dos silêncios reconfortantes que o calor da amizade me permite.

Tenho saudades de conduzir e de sentir-me a torrar ante o Sol a pôr-se. Tenho saudades de pôr a música aos berros e abrir as janelas, com a vaidade esperançosa de haver alguém que oiça e partilhe os meus gostos musicais. Tenho saudades de bater o ritmo no volante. Tenho saudades dos tantos passageiros que já desfilaram no meu carro.

Tenho saudades de praia e de areia e de mar. Tenho saudades do cheiro do vento à beira-mar. Tenho saudades de ter os pés cheios de areia e de sentir os dedos arranhados, se me calçar. Tenho saudades de beijar a minha pele quente e salgada e apaixonar-me por mim e pelas minhas madeixas molhadas. Tenho saudades de brincar na praia, fazer cambalhotas, flutuar ao sabor das ondas. Tenho saudades dos abraços de corpos mais ou menos despidos, de como há uma intimidade mais tímida quando as peles se tocam.

Tenho saudades da criança em mim que sempre vem à baila com o Guess por perto, a criança que sobe à torre da Galp, salta muros de cemitérios à noite, cai a canais e explora barcos abandonados.

Tenho saudades do quão crua e verdadeira eles juntos me fazem ser. Tenho saudades dessa sensação imensa de fragilidade e força que é o que nos faz simplesmente ser. Ser por excesso, ser por defeito, sermos inteiros juntos e incompletos porque há muito, muito mais que só nós.

Tenho saudades de fazer amor. Não de fazer sexo, porque, com toda a minha paixão desmedida, algo em mim se perdeu e partiu das pouquíssimas vezes que tentei fazer apenas sexo. Tenho saudades das horas, das palavras esquecidas, das lágrimas, dos risos, dos sons, da pele a colar, dos olhos a brilhar, dos beijos, das mãos a percorrerem os corpos, dos sentimentos prestes a explodir nas pontas dos dedos.

Tenho saudades das borboletas no estômago, que há cinco/seis anos atrás me faziam perder a força nas pernas só com o entrelaçar das mãos, mas que nunca mais se fizeram sentir.

Tenho saudades de amar alguém.

Tenho saudades daqueles olhos verdões, verde-garrafa, tão doces, que passaram três dias comigo e me deixaram aqui, entristecida com a promessa do que poderia ter sido, se não houvesse geografia. Tenho saudades do sotaque, das gargalhadas, do olhar tímido, da candura, da cumplicidade. Tenho saudades do meu francês mal amanhado. Tenho saudades da minha respiração suster-se inconscientemente porque houve um toque, um carinho, um segredo. Tenho saudades de nada disso ser fruto da minha imaginação.

Sim, tenho saudades do amor, do amor romântico.

Mas depois lembro-me do quão grande é o amor que sinto por todas as pessoas que me fazem sentir saudades e acho que não me falta assim tanta coisa. E, se faltar, tenho muito amor para receber.

Tenho saudades de te dizer que te amo, de te enviar postais aleatórios que colocas na tua parede. Tenho saudades de te chamar casa.

Tenho saudades de casa. Da casa que fica no cimo de três andares e tem uma gata a rebolar no chão e dois pais amorosos no sofá. Tenho saudades do meu quarto impessoal e do meu escritório desarrumado. Tenho saudades de tomar um banho que sabe a banho. Tenho saudades das cortinas espatafúrdias da banheira que a minha mãe vai trocando. Tenho saudades do quão bela e confortável é a madeira, no chão, nos roupeiros, na mobília. Tenho saudades dos sons dos passos e de reconhecer quem está a chegar a casa. Tenho saudades do plasma na cozinha contra a televisão gigantona e mal amanhada da sala. Tenho saudades dos DVDs por ordem alfabética e dos livros ordenados por colecção.

Tenho saudades do barulho metálico das portas das escadas. Tenho saudades do barulho das portas do carro a fechar. Tenho saudades do verde assustador da minha garagem, insuportável depois de um filme de terror.

Tenho saudades de me sentir às vezes pequena e acriançada perante ti, apesar dos teus 20 anos, quando outras vezes me sinto crescida e necessária. Tenho saudades desse equilíbrio, tão vital para mim.

Tenho saudades de me rir das minhas desgraças e azares amorosos, desgraças e azares que ela partilha e compreende tão bem.

Tenho saudades dela, que nunca conheci ao vivo, mas por quem sinto um carinho estúpido e inexplicável que julgava impossível entre gente que nunca conviveu pessoalmente. Acho que tenho saudades do quão feliz me faria ver que ela está bem e é feliz e o merece.

Tenho saudades de estar no Bairro e passar por dezenas e dezenas de pessoas, ouvir aquele emaranhado de vozes tão alto que não se distinguem palavras. Tenho saudades de lá estar com vocês, encostada a qualquer parede que seja. Tenho saudades de sair e sentir-me segura e saber que não vou voltar sozinha para casa.

Tenho saudades de dançar. De dançar contigo, meu homem louco. De dançar com elas, que gozam com as minhas expressões e alguns dos meus gestos, já automáticos. De dançar com alguém ao som de música nenhuma.

Tenho saudades de viajar e conhecer sítios novos. Tenho saudades de comboios e de como as suas janelas enormes cumprem a promessa de que efectivamente o mundo é enorme e falta tanto para ver...

Tenho saudades de me sentar em rochedos no topo de montanhas, de subir serras e rebolar colinas abaixo.

Tenho tantas, tantas saudades... Não sei de onde vieram. Acho que passei um ano a não as ter. A fingir que não as tinha.

Mas tenho. Tenho tantas, tantas saudades e não sabia que amava tanto e que o meu coração tinha tanto espaço para as ter.


MJNuts

9 comments:

Giovanna said...

Oh raios, agora fiquei nostálgica! Ao menos poupaste-me à vergonha da lágrima ao canto do olho e não te alongaste em lembranças :p

Acho que estamos na mesma onda Bilú, porque eu já andava a congeminar planos maléficos que envolviam a Maravilhosa Comida da Minha Mãe (TM) e um trilho comestível entre a tua casa e a minha. Assim evitamos desperdícios neste tempo de crise!

Faz sentido este saudosismo todo neste momento de despedida de Erasmus. Se tivesses começado quando aí chegaste é que eu ficava preocupada, e não aproveitavas nem metade do que Londres teve para te oferecer. E voltas com uma bagagem de vivências que só te podem ajudar daqui para a frente (nem que seja apenas em noites criativas, neste meu antro e na minha companhia ou em qualquer outro lugar e com qualquer outra pessoa!).

Um abraço do tamanho da minha cozinha!! :D

André Pereira said...

E eu tenho saudades tuas :(
Apesar de nunca ter feito nada disso contigo! Ok, vou-te ensinar a fazer arroz doce e depois ficas com saudades disso <3

Guess said...

please, come back soon.

falas disso tudo e eu viajo e lembro-me como sabe bem e como o quero ter de volta. como te quero ter de volta.

ontem senti saudades do Verão. hoje, sinto saudades do Verão contigo, meu grande amor.

Nia said...

Sr. dona escritora, os teus tratados são achados;

tenho saudades de sentir algo que me faça escrever textos com metade do poder dos teus;

beijo

daki a duas semanas vou a londres

will u be there?

Nia said...

Ah, e há kem diga k o melhor de viajar é regressar

i can relate to that, lembro me das saudades k eu tive da minha ericeira kd andei um mes em comboios e parques de campismo

:D

Morcegos no Sótão said...

@Nia :$ Sabes que eu, não sei muito bem como, com o avançar da idade, perdi a capacidade de ser storyteller e tornei-me emotionteller... Às vezes gosto disso, outras nem por isso. Mas obrigada pelo elogio. E daqui a duas semanas já eu estou de volta à minha Lisboa! :D Às vezes o regresso dá ainda mais sabor à viagem, sem dúvida. ;)

Blaze, Guess: saudades, saudades, saudades.

MJNuts

Anonymous said...

Só agora é que me actualizei no vosso blog!! (vergonha!)
Oh Mary! Saudade... só associamos esta palavra à tristeza, mas na realidade traz-nos coisas belas e memórias incriveis :) Tenho tantas saudades dos nossos tempos alegres e tão leves passados na tua casa, nas tuas ruas, nos nossos corações snifi Puseste-me nostálgica mulher!!
Ah e obrigado pelo elogio à minha pele cof cof Desta vez já não há dentes de leite ahah
Bjinhooooo
Cat*

Nana said...

Tb tenho saudades tuas! saudades de perguntar à tua mae por ti e a tua mae dizer "ela siu logo pela manhã. olha filha nem bem para onde". ahahahahahahah!
Cá te esperamos de braços abertos tal como na tua primeira despedida eles se fecharam para AQUELE abraço.
(hoje a leonor faz 5 anos)

Ninhas said...

"Tenho saudades da minha família. Não tenho saudades nenhumas do meio-segredo que com eles não partilho e que me faz ser tão pior com eles do que deveria..."

Se estás a falar do que eu acho que estás: como eu te percebo! E às vezes, mesmo que não sejas mesmo-família-"directa", gostava que estivesses mais perto.

Beijinho.