Wednesday, March 10, 2010

A História de um Abandono

Era para ter postado isto há algum tempo, quando aconteceu o que vos vou contar a seguir, mas depois passou-me.

No dia dos meus anos, que tristemente publicito sempre na blogosfera, postei uma dose de postais pessoais em que se incluía este. Que nem é postal, é o quê? Envelope? "Finding myself is terrifying and wonderful." Sinto-me a crescer e a aprender mais sobre mim nos últimos 6 meses do que nos anteriores 3 anos da minha vida. Às vezes, é algo que me preenche com uma sensação de plenitude e felicidade. Outras vezes, é desesperante. Há dias e dias. E há dias em que escolher o caminho negativo é infinitamente mais fácil do que sequer ponderar o lado positivo.

Descobrir-me é uma aventura. É percorrer mares e oceanos e mesmo assim ainda haver ilhas desconhecidas. É ser abertamente frágil e vulnerável, estar à mercê de todos e, apesar disso, conseguir ser, de forma quase irónica, mais forte precisamente por isso.

A passo lento, vou-me conhecendo e sabendo mais sobre mim. Aos poucos, vou ganhando certeza de quem sou, do que quero. E pobre dela, que tanto me atura. E o André, que recebe cartas e postais como se hoje em dia não houvesse telemóveis nem Internet. E a Kawaii, tantas horas de sono perdidas em conversas... O J., a R. (as R., na verdade), a Twin, a Lili... E os desgraçados que partilham, em corpo presente, esta aventura comigo.

Apesar de estar longe e de agora saber que, pelo menos por alguns anos, quero levar uma vida de viagens, aventuras e imprevisibilidade, sinto que finalmente deixei de fugir. O que antes reprimia e ignorava e recusava-me a enfrentar, é agora a direcção em que corro.

E às vezes é tão frustrante. Porque tudo se torna cada vez mais claro, mas há coisas a que não consigo dar a volta. É terrivelmente assustador ter noção de padrões de comportamento que são quase auto-destrutivos e senti-los a vir sem os conseguir evitar. É doloroso aperceber-me de medos que não sei de onde vêm, que não têm motivo de ser, mas que existem tão claramente como o bater do meu coração.

Ao menos, agora sei. Só tenho de ultrapassar a parte de não compreender e passar a aceitar, para poder combater.

Uma das coisas que mais me surpreendeu sobre mim (e é quase cómico, não fazia ideia que eu tinha a capacidade de me surpreender a mim mesma...), eu que sou uma pessoa de risco, do perigo, da adrenalina, que adoro pessoas... Bem, descobri que tenho um medo irracional que as pessoas me deixem. Isto soa estranho em português.

I'm terrified of people leaving. I don't know why. Nobody ever did.

É um pânico imenso que me consome e está na base de uma grande (enorme!) percentagem de comportamentos nas minhas relações interpessoais. Sociais, profissionais, amorosas, familiares, amizades... Está lá sempre. É um medo a que o meu ego/inconsciente/subconsciente/whatever reage tornando a minha maneira de agir uma ilusão do exacto oposto: volátil, desprendida, fria, carefree. As pessoas olham para mim e vêem um pássaro à sua volta, que adorariam poder agarrar, mas que sentem que vai eternamente fugir-lhes. As pessoas rodeiam-me e adoram a minha companhia, mas assumem instintivamente que é uma companhia fugaz, que há-de partir e deixar um rasto de risos e boas memórias. É difícil encontrar alguém que acredite na minha capacidade de ficar, de permanecer - alguém que não tenha anos e anos de convivência comigo. E mesmo assim... Se perguntarem a vocês mesmos, sem racionalizar, resposta automática: acreditam?

A culpa não é de ninguém, eu dou essa impressão. E quero muito que um dia as pessoas acordem e abram os olhos para realmente verem; tal como eu vejo infinita beleza na rapariga sem auto-estima que não consegue acabar com o namorado por medo de ficar sozinha, tal como eu vejo a fragilidade escondida da menina-mulher que se mostra tão independente e não consegue permitir que ninguém chegue perto, tal como eu vejo as camadas e camadas de mentiras no rapaz que se recusa a crescer e tem tanto potencial; para realmente verem que por detrás do que aparenta ser X ou Y, há invariavelmente uma história.

E eu não sei bem qual é a minha história que me fez assim, mas a verdade é que o sou. Sou-o de tal forma que, para enfrentar o medo de ver alguém ir, eu sou sempre a primeira a partir.

I'm terrified of people leaving. I don't know why. Nobody ever did.

Nobody ever did, because I don't let them. I leave, before they can.

Acho que a consciência deste medo há muito está latente em mim, simplesmente preferia fingir que não o via. Mas não consigo fingir mais quando ele me grita aos ouvidos em momentos mais recorrentes do que eu gostaria.

E é aqui que entra a história, a história que não faz sentido, que vos queria contar e que já queria ter contado há mais tempo. O momento em que me apercebi finalmente deste pavor que vive cá dentro.

Fui a Manchester e a Liverpool com a sociedade de Erasmus passar um fim-de-semana, há coisa de 2 semanas atrás. Manchester foi primeiro. Cidade feia, industrial, sem nada de especial. Deu para umas boas piadas, uma excelente refeição e uns quantos sacos de gomas e chocolates.

Ficámos num hostel com quartos de grande qualidade. Três ou duas pessoas em cada quarto, cada pessoa com a sua cama. Televisão e WC. Alguém se esqueceu de dizer ao gerente que, quando as condições são essas, hostel deixa de levar S. Eu fiquei na ponta longe da janela (6 meses no UK e ainda me custa a luz a entrar através das cortinas...), a Meghan ficou na do meio e a Ludivine ficou na outra ponta. Apagadas as luzes, a Meghan, podre e a adoecer, adormeceu. Eu e a Ludivine tagarelámos noite fora, durante mais de duas horas, sobre nós e as nossas vidas, as nossas alegrias, as nossas experiências, as nossas dores e os nossos amores. Nem eu sabia a falta que sentia de conversas assim, de momentos assim, em que as paredes que construímos para nós caem e partilhamos quem verdadeiramente somos, o caminho que fizemos até chegar àquele momento.

As pessoas ganham outra luz quando sabemos a história delas. E a Ludivine, em toda a sua alegria constante, na sua inocência, na insistência em não deixar morrer a criança que vive dentro dela (e de todos nós), teve uma vida tão complicada, sofreu tantas perdas e desilusões, que mais do que uma vez me apeteceu levantar e ir dar-lhe um abraço. Não o fiz. Ouvi-a apenas e deixei-a contar tudo, o que queria e o que não queria. E partilhei o vazio de traumas que, ainda assim, de alguma forma, resultou na complicação que sou eu.

A conversa foi esmorecendo. Dissemos as boas noites. Eu adormeci (adormeço sempre primeiro).
De manhã, ouvi o despertador e acordei. Gosto de ser a última a levantar e elas já sabem isso. A Meghan foi a primeira a ir à casa-de-banho. Eu voltei a adormecer. Acordei quando a Meghan saiu e ela e a Ludivine começaram a tagarelar. Vi a Ludivine a entrar no WC e fechei os olhos de novo. Acho que dormitei uns momentos. Quando voltei a abrir os olhos, não vi a Meghan em lado nenhum.

Não consigo explicar muito bem que se passou comigo nesse momento. A Meghan é, hoje, uma das pessoas mais próximas que tenho cá - e é estranha esta rapidez no fortalecimento das relações, parece que as pessoas sabem que o fim, pelo menos o fim da convivência constante, é inevitável, então alimentam a intensidade de tudo. Na altura, a Meghan era uma moça porreira de quem eu gostava imenso e que tinha potencial para ser mais próxima, mas ainda não estava lá. Na altura, eu não sabia com que contar da parte da Meghan, não sabia o que esperar dela. Na altura, a Meghan não tinha qualquer tipo de obrigação ou de dever educado de esperar por mim e pela Ludivine em vez de seguir para o pequeno-almoço.

Quando voltei a abrir os olhos, não vi a Meghan em lado nenhum. E sabia que a Ludivine estava na casa-de-banho. Mesmo assim, não consegui evitar o pânico irracional que se apoderou de mim, o coração a explodir-me no peito. O medo de que ela se tivesse ido embora e me tivesse deixado sozinha. A Meghan, que ainda não era amiga. A Ludivine, que eu sabia que estava no WC. Eu sabia isto tudo e, no entanto, senti a minha pulsação a rebentar nos ouvidos, senti a respiração a ficar mais rápida e curta. Levantei o tronco de repente, para poder ver melhor o quarto, para poder procurá-la, para de alguma forma talvez a encontrar num canto mais escondido e ver que não me tinha abandonado.

A Meghan estava lá, ainda, semi-obscurecida, a acabar de se arranjar. Olhou para mim algo perplexa e continuou o que estava a fazer. Deixei as costas cair na cama e senti tudo cá dentro a desacelerar.

A Meghan não se tinha ido embora. Ainda estava lá. Mesmo que tivesse ido embora, estaria ainda no hostel, eu iria voltar a vê-la. Não me tinha abandonado, não o iria fazer, não tinha sequer para onde ir.

Quando finalmente me levantei, já tinha admitido para mim que tinha um problema irracional a afectar-me o comportamento. Um problema que há muito anda por cá.

E assim descobri porque sou tão simpática, porque tomo iniciativas tão persistentemente, porque, num contacto inicial, sou assertiva de tal forma que às vezes quase parece que forço uma ligação.

Assim descobri que preciso que, volta e meia, alguém me assegure "Não te preocupes, Maria, não me esqueço de ti". Eu só quero sentir que, apesar de ao longo dos anos me ter espalhado tanto, por tanto lado, por tanta gente... ainda faço parte de alguma coisa.

MJNuts

7 comments:

Pintas nos Olhos said...

"há dias em que escolher o caminho negativo é infinitamente mais fácil do que sequer ponderar o lado positivo."

So true.

Anonymous said...

"Quanto mais eu vivo, mais eu percebo o impacto da atitude na vida. Ela é mais importante que o passado, que a educação, que o dinheiro, que as circunstâncias, que os fracassos, que os sucessos, e do que as outras pessoas pensam, dizem, ou fazem. " (Chuck Swindoll )

André Pereira said...

Let me share this with you, will you?
The first time I've heard your name, someone said, "look at that freshgirl, bossy, talks a lot and thinks she owns the place" and they told me to shut you up and to move.
Of course I had this bad idea of you, but when I came close to you, you were owning some Vet, steph, dunno because he was messing with you. He left with his tail on his legs and I knew you were alright.
Every time we talked, we had a fuck load of conversations I didn't have with no one.
I regret that we're not that close, you'd be bored with me, I envy you and I wanted to be in your shoes.
I just want to say, if I had the decision to leave you, I would forget it.

When I move to Lisbon, let's do something.
Just be you and no one will leave you.

Anonymous said...

Mary, pode não parecer, mas também tenho esse medo(?) "estúpido" que as pessoas simplesmente me abandonem/desprezem/ignorem... Mas, ao contrário de ti, eu deixo as pessoas "partirem" e tomarem o rumo que elas quiserem. Eu estarei sempre no meu mundo desinteressante. Se sou feliz assim? Ah, eu sou simplesmente apatica! Sou verdadeiramente feliz nos momentos que partilho com os outros e torturo-me só de pensar no que possa vir a seguir.
Já viste o dinheiro que poupaste? Assim não tens de fazer sessões infinitas de psicanálise para te perceberes melhor. Erasmus é o melhor remédio lol
E... não me esqueço de ti, nunca permitirei o teu abandono e estarás sempre presente no meu mundo, quer tu queiras ou não! :P Cat*

Morcegos no Sótão said...

@Cat Eu gosto do teu mundo. =) E gosto muito de ti! Temos de ter uma conversa sobre isto. eheh

@Blaze <3 I was never bored all the times we talked. :) It's true, we are not that close, but I'm always up for a cup of coffee or a walk out. ^^ There's nothing to envy here and I never wear shoes. ;) You are who you are and that should be enough.

MJNuts

Guess said...

A Maria que eu adoro está em todas as palavras deste texto. Conheço esse teu medo quando o vejo aí escrito, conheço essas palavras, conheço a tua história e conheço aquilo que tu és hoje e que não eras antes de ter partido. Talvez não conheça tanto como deveria conhecer mas, sendo tu uma parte de mim, não há grande volta a dar. O sangue que corre nas tuas veias é o sangue que corre nas minhas.

"Não te preocupes, Maria, não me esqueço de ti"? Fogo. Tu és o comboio que eu apanho de manhã, a rua que eu subo p'rá faculdade, os risos dos meus colegas, o bolo do meu pequeno-almoço e os sonhos das aulas em que adormeço. O macaco que tiro do nariz e o Jardim Zoológico ao fim de semana. O volante que conduzo e o rádio que oiço. Não que não o saibas. Mas, lá está, eu sei que gostas de o ouvir. Como eu gosto de chegar a casa e ter um postal teu com mais um pouco de ti. É o melhor.

Ontem, no concerto dos Cranberries ela tocou uma música que já nem me lembrava que existia que fez parte da carreira a solo. Lembrei-me especialmente de ti nessa. Não que a música tenha muito a ver contigo (talvez tenha mais a ver connosco), mas, no refrão, eu sentia-me a cantá-lo p'ra ti.

http://www.youtube.com/watch?v=biuzepvDbuQ

Adoro-te.

Nia said...

Cranberries eeeuuuu láááá!

:D

Hey Mary, é incrível como estes medos são comuns a mto mais pessoas do k imaginariamos, a partir do momento em k ganhamos a coragem de os partilhar, e isso a ti ninguem te tira tal como o facto de os conquistares ao dares esse pequeno grande passo.

;)

*