Penso que o teu "Caracterizem-me!" é o terceiro post neste estaminé, entre eu e tu, em que se devaneia sobre o sentido da vida, num eterno paralelo entre o que nos parece melhor, mais interessante, mais
real e o percurso que é normalmente definido como o padrão da sociedade.
Tudo na vida é uma questão de perspectiva. O denominado "padrão da sociedade" é padrão, porque, efectivamente, uma larga maioria de pessoas sonha ter uma carreira ou uma família. Afinal de contas, temos que nos sustentar, porque para o bem ou para o mal, sem dinheiro pouco ou nada há. A não ser que se viva como eremita, confiando apenas na Natureza.
Não é que essas pessoas estejam erradas. Com certeza deve haver um imenso fascínio na criação de uma família. Construir uma relação, um lar, ver os filhos crescerem, assistir ao
Ciclo da Vida versão seres humanos. Também acho bastante interessante ver alguém dedicar-se de corpo e alma a uma profissão. Sei lá, ser médico, salvar vidas. Construir uma empresa e coleccionar dinheiro. Ser professor a vida toda e inspirar miúdos.
São opções. Que, talvez felizmente, servem à maioria das pessoas.
Essas personalidades de que falas são... magnéticas, por um motivo ou por outro. Mas não esqueças que muita vezes coragem se mistura com loucura e irresponsabilidade.
O Alexander Supertramp, do
Into the Wild que também muito me tocou (embora creio que por motivos diferentes...), era um revoltado. Cresceu produto dos pais que tinha e das mentiras por eles criadas. Refugiou-se nos livros e deles retirou um sentido de rectidão rígido que o fez procurar a verdade, não nas relações humanas, mas no mundo selvagem. O Alexander Supertramp passou anos de um lado para o outro no país enorme que são os Estados Unidos da América, conheceu pessoas e esteve sozinho, correu perigos e enfrentou ameaças, apenas para no fim concluir com a sua experiência que a felicidade só é real quando partilhada, que o perdão que não dava aos seus pais o tornava também a ele vítima das mentiras que condenava, que as coisas devem ser chamadas pelos nomes e que ele era
Christopher McCandless, não Alexander Supertramp. O Alex foi um alter-ego, que era ele também, mas era um ele que fugia.
O Toby do
Transamerica partiu sem qualquer rumo e objectivo e teve sorte, podia ter-se habilitado a sofrer muitos revezes. É, de todos os que mencionaste, o pior exemplo a seguir. Entre prostituto e estrela porno, deu para ver que acima de tudo, ele era apenas um miúdo perdido, desesperadamente à procura do sentido de pertença.
O Patrick Braden, por fim A Kitten, do
Breakfast on Pluto era uma sonhadora. Quase utópica, o que a tornava uma delícia de pessoa. Percorreu mundos pavorosos, de uma certa quantidade de degredo humano, mas manteve um encanto de petiz. Vivia no seu mundo pessoal, que a protegia dos males de fora. Nasceu no corpo errado e lutou pela sua identidade como ser feminino, independentemente da identidade conferida pela sua anatomia. Não foi nem nunca é um caminho fácil.
O Edward Bloom, do
Big Fish, é apenas um excêntrico. É um homem com um optimismo fora do comum, optimismo que o fazia ser completamente cego às contrariedades da vida. Com o seu pensamento positivo, lá foi andando, de história em história. Ainda assim, só conseguiu chegar ao coração do filho depois de morrer...
Não nasci para seguir o "padrão da sociedade" e é óbvio que tu também não. Há alturas em que é preciso tomar decisões e nessas alturas sentimo-nos frágeis e desejávamos ser como os comuns mortais, porque assim seria mais fácil. São essas as fases que nos fazem divagar contra o sistema e a sociedade e o vulgar. Como eu disse uma vez, não sei se a ti, "não há nada de especial nas pessoas normais".
Não tens que sentir inveja dos outros por terem uma vida melhor ou serem mais bonitos ou terem o caminho facilitado. Tens de olhar para dentro e sentir orgulho na tua diferença. Agarrares-te a ela e fazeres dela a tua força, não a tua fraqueza.
A verdade é que as pessoas, seja na "normalidade" seja no impensável, só fazem as coisas quando têm uma motivação. O Alex, a Kitten e o Edward tinham-na. O Toby não. O Toby seguia a corrente e deixou-se arrastar por ela.
A dificuldade não está em ser diferente do "padrão". Isso é fácil. A dificuldade está em ser diferente do "padrão" e conseguir encontrar algo que nos impele a continuar. Encontrar algo que nos faça lutar e seguir em frente. Pode não ser uma carreira, pode não ser uma família. Pode ser o mato, a música, os sem-abrigo, o sexo, os esgotos, o mar, o desporto, o espaço, as estrelas! Pode ser uma infinidade de coisas, mas só cada um de nós sabe o que essa coisa é, para si.
Quando não se sabe o que se quer, leva-se uma vida que é, de certa forma, uma existência. Há diversão e emoção e tristeza e relações humanas, mas não há a chama. Não há luta, não há algo a que nos agarrarmos pela nossa sanidade. E a verdade é que é sem dúvida mais fácil e menos trabalhoso... existir. Por isso, vê-se muitas pessoas infelizes e frustradas e sem rumo. Fugiram de si mesmas em prol de um qualquer... padrão social? facilidade pessoal? Não sei. Mas vejo-as por aí.
Não lamentes a coragem que não tens de ser um Alexander Supertramp. Lamenta a coragem que ainda não tens para dar voz a quem realmente és. Mas lá chegarás.
I am here for you.
MJNuts