Thursday, November 25, 2010

Hoje é um dos Muitos Dias

Há dias em que mais valia ficar na cama. Levantamo-nos de manhã para o xixi da praxe e estamos com má cara. Quando estamos a voltar à casa-de-banho para o banho, alguém já está a ocupá-la e temos as nossas coisas todas lá dentro. Não há na cozinha o que apetece comer. Saímos pela porta já atrasados e ainda perdemos o autocarro.

Mas também há dias em que tudo corre bem. Levantamo-nos de manhã depois dos vinte minutos de pré-acordar que o botão de snooze nos ofereceu e sorrimos para o nosso reflexo no espelho. A roupa que nos apetece usar está toda lavada e cheirosa e parece assentar mais perfeitamente que nunca. Não temos fome, mas a peça de fruta que escolhemos para não ficarmos de estômago vazio mais do que saber bem, é a ideal. Saímos pela porta já atrasados, mas conseguimos chegar dez minutos antes sem sequer percebermos como.

Hoje foi um desses dias. O mp3 presenteou-me com músicas que eu nem sabia que me apetecia ouvir. Percorri desorientadamente a zona do Saldanha em busca de uma entrevista de trabalho, na qual gostaram de mim, na qual me chamaram. Desci para Arroios até ao oculista, porque a minha armação já tem uma certa idade e chegou a andar de fita-cola, à Harry Potter. Os óculos já os tinha escolhido e eram mais giros do que eu me lembrava. Experimentei lentes de contacto pela primeira vez e foi uma aventura de pestanejares e lacrimejares. A minha cara estava tão perto do espelho que só me via a mim, mas achei-me linda. Mesmo com as rugas de expressão na testa e com as ruguinhas de sorrir nos cantos dos olhos. Linda, principalmente porque, quando sorrio, os olhos também se riem e a bochecha esquerda oferece uma covinha.

De lentes postas, cheia de comichões novas, subi até à Avenida de Berna, para voltar à faculdade onde acabei um curso, mas que foi muito menos minha do que a Ravara, dos tempos de Enfermagem. Enquanto esperava, resignadamente tirei o The Catcher in the Rye da mala para continuar a leitura e eis que um livro que até então pouco ou nada me dissera, de repente me atira com duas passagens de encher o olho.

Até que lá reencontrei os meus companheiros portugueses de Erasmus e muita conversa havia para pôr em dia. Foi óptimo vê-los, iguais mas diferentes, apaixonados e a sobreviver ao fim do amor. Foi bom lembrar Londres, a cidade que é também nossa. A cidade que, sempre que voltamos, parece que nunca abandonámos. Porque já sabemos de cór as formas mais rápidas de chegar onde quer que seja, porque já temos os nossos spots de eleição, porque estamos bem cientes daquilo com que podemos contar.

Foi fantástico estar sentada na esplanada amarela a ouvi-los e relembrar-me do porquê de fazerem parte da minha história. Relembrar-me que tomar café com eles vai sempre encher-me o peito de calor. Relembrar-me que gosto mais deles do que me ocorre na banalidade do quotidiano.

Soube bem reencontrar professores, perceber que eles ainda se lembram de mim, que gostam de mim. Descobrir novas coisas em comum.

Foi bom palmilhar o centro de Lisboa a pé, só porque sim. Porque faz bem, porque tenho tempo, porque tenho música.

Foi maravilhoso abafar o desejo por castanhas, porque não as há à mão, porque não me posso dar ao luxo de dispensar 2€, apenas para voltar a casa e apanhar a mãe a prepará-las para depois do jantar.

Foi agridoce ir à casa do meu Nabo, de visita a Lisboa, para me despedir dele e, apesar de custar sempre vê-lo partir, só pode ser amor o que me faz estar ali, na casa dele, na hora de dizer adeus às pessoas que mais lhe importam.

Houve várias coisas que faltaram no meu dia. Há pessoas que eram o mundo e que parecem estar a deixar de o ser. Mas hoje não é o dia para querer saber disso.

Hoje é o dia para me achar capaz de tudo. Hoje é o dia em que acredito, em que sei, que espere-me o que esperar, vou ter uma vida cheia. E, um dia, vou olhar para trás e chamar-lhe plena.


No regresso a casa, enquanto esperava pelo metro na estação do Saldanha, deparei-me com a célebre citação de Almada Negreiros na parede. Uma que já antes me prendera a atenção:

"As pessoas que eu mais admiro são aquelas que nunca se acabam."

É isso que eu quero ser. Uma pessoa que nunca se acaba.

MJNuts

3 comments:

André Pereira said...

Há dias assim, Maria. Também os tenho, outros dias bons, outros maus.
Felicidades pelo teu dia e pelo teu emprego :D

Beatrix Kiddo said...

"As pessoas que eu mais admiro são aquelas que nunca se acabam."
vou reflectir sobre isto. gosto

Beatrix Kiddo said...

where are thee? li essa fraseno metro esta semana quando estive em Lisboa :)