Uma noite. Diferente das outras porque era o teu dia, o dia que tinha de ser perfeito para ti depois de tantos anos em que o mereceste. Das 0h às 7h, irrepetível. Dormir. Tarde de alegrias e de surpresas. Para ti, na tua companhia, porque fazes parte de mim como se fosses a minha carne e não tenho explicação para isso.
A noite. O mesmo bar da noite anterior. Talvez lhe deva chamar discoteca. Não sei, é uma mistura.
Gente estranha e invulgar por todo o lado. Não estávamos em casa, porque éramos novos no local. Mas também somos estranhos à nossa maneira e como tal, somos livres entre a estranheza e luminosos entre a normalidade.
Dançar. Música comercial. Música pimba. Um pouco de techno. Música brasileira de mau gosto. A vez anterior tinha sabido melhor.
São os olhos castanhos atrás do balcão. Escuros, penetrantes. Estão cansados e pouco se cruzam com os meus, mas sorriem quando o fazem. E então procuro e insisto e só consigo olhar naquela direcção.
Deixa-me louca. E vou ao bar buscar bebidas para mim, para ti, para ele. Tudo para ficar mais próxima. E os olhos fixam-me e às vezes sorriem e fingem escrever no cartão bebidas que eu estou a beber, mas não estou a pagar.
E o álcool percorre-me as veias e começa a chegar-me à cabeça. Será ao coração? E as emoções estão à flor da pele e há uma raiva, uma frustração crescente. De querer fazer e dizer o que nunca disse ou fiz, que nunca consegui pôr em prática.
Há um turbilhão no meu peito que me enche os olhos de lágrimas e é ridículo. São só olhares e algumas palavras, mas há uma óbvia empatia que me esmaga e com a qual não sei lidar. Uma atracção que eu já não lembrava como se sente. Como pode ser tão assustadoramente carnal e espiritual.
Ganho coragem. Arranjo monumentais doses de estupidez. E vou até ao bar, dou a volta e segredo-lhe ao ouvido as palavras do acto que me falta coragem para fazer.
Viro costas imediatamente. Não sei porquê. Qual terá sido a reacção?
Temos que ir embora, subir as escadas, a porta fecha-se atrás de nós. Mas há álcool no meu sangue e tenho de voltar, não dá para esperar até chegar a casa para ir à casa-de-banho.
Bato à porta uma e outra vez. Estou trémula e furiosa, sei disso mas é como se estivesse a pairar sobre mim mesma, sem conseguir evitar todas as sensações exacerbadas que me assolam. Alguém vem abrir, finalmente, e lá estão os olhos castanhos, junto ao porteiro. Há surpresa com o meu regresso.
Mas não foi por isso que voltei e nem ligo porque não vale a pena. Casa-de-banho. Cubículo. E enquanto lá estou, abre-se a porta e alguém espera que eu saia. Pressenti que fosse por isso que largaste o bar e subiste ao andar de cima.
Conversa estranha. Bonita. Inesperada. Há um compromisso e eu respeito-o. Há empatia, uma qualquer vaga identificação dos percursos de vida, dos gostos. Há uma distância física e um muro invisível a separarem-nos. Há alguma dor e não percebo porquê. Dizes-me que sofrer não vale a pena e subentendo que já sofreste muito. Eu afinal tenho mais um ano que tu, mas quem parece inocente sou eu. Talvez o seja. Ao pé de ti é provável, que te imagino com o mundo sobre os ombros.
Não há toque. Só olhares e inibições, um embaraço a flutuar no ar. Há uma certa mágoa. Receias o novo rótulo com que te podem catalogar e imaginas os filmes que se passarão nas cabeças para lá da porta fechada. Despedes-te assim, a arranjar forma de parecer que só aconteceu o que efectivamente aconteceu. Uma conversa. Desde quando é preciso a verdade ser exaltada e exagerada para acreditarem nela?
Estendo-te a mão e apertas-ma. Formal. Tirei a mão, mas voltei a estendê-la e tu a apertá-la. Ou será que nunca nos largámos e o aperto foi prolongado? Pedes-me para voltar e não prometo nada. Queixas-te um pouco do estado a que chegou o local, mas repetes o pedido. E largas-me e fechas a porta do cubículo sem um último olhar e eu hesito um momento antes de sair.
Quero voltar, mas não sei quando. Vais esquecer-me?
Obrigada por te teres dado ao trabalho de conversar. Desculpa se pareci imatura, impulsiva ou de alguma forma inconveniente. Não foi por mal.
"Shit. I was almost happy again."
MJNuts
E a ti, que és parte de mim como eu própria sou, obrigada por o teu dia perfeito ter também sido o meu.
E a Escrita?
1 year ago
10 comments:
Estamos empatadas.
CHESB
Bonito, simples e tão sereno.
Está perfeito, Maria.
Tudo aquilo que tu és está ali escrito e demonstrado em palavras que dão festas à minha mente e me trazem recordações desses dias, dessas noites, dessa noite.
Emoções tão rubro, Maria. Aconteceu tudo, sentiu-se tudo. Estava tudo ali naquele espaço tão pequeno por baixo daquela estrada solitária.
Danças que alimentavam o ego, atenções que nos estragavam com mimos, olhares que nos agarravam incoscientemente, impulsos inquietantes e difícies de controlar, encontros inesperados e marcantes, momentos que aconteceram tão rápido, tudo.
"A woman's whole life in a single day. Just one day. And in that day her whole life." - Virginia Woolf
Amo-te
Que textos bonito! Gostei imenso!
Cravaste-me as emoções na pele. Que descrição fantástica e quão sincera maravilha!
Belo texto, adorei.
Cheio de emoção pura!
Obrigada pela visita.
Todos temos um eu lamexas dentro de nós! Nem sei bem como reagir ao post =)
Hey, dudu!=) Sim, todos temos um Eu lamechas algures, mas o teu é proeminente!xD Temos de combinar qualquer coisa. ;)
Obrigada a todos pelas vossas palavras. Desta vez, têm um significado ainda mais especial.
MJNuts
Belo e emotivo como sempre.
O teu texto está lindíssimo, MJNuts, e tão bem escrito que não dá para evitar participar nas tuas emoções. Excelente, mesmo.
Obrigada pelas tuas palavras, Dawn. :) Acho que a ideia era um pouco essa... Eu quando escrevo porque tenho de escrever (a outra opção seria explodir :P), parece que as coisas me saem com a intensidade com que as estou a sentir... Se conseguir passar essa sensação a quem lê, já é um bocadinho de missão cumprida.
Agora é só ver se a recordação se esbate, que isto viver assim...xD
MJNuts
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