Thursday, May 1, 2008

"As Coisas Vulgares Que Há Na Vida Não Deixam Saudade"?

Ora, existe uma certa música que a fadista Mariza gosta imenso de cantar que tem por seu nome "Chuva" (hein? directo ao assunto). Quem de momento não estiver a ver qual a música que se trata pode refrescar a memória aqui. Seja como for, o primeiro verso da música enuncia exactamente a frase que dá título a este post. As coisas vulgares que há na vida não deixam saudade. A verdade é que, apesar de gostar imenso da canção (que, possivelmente, se deve na sua maioria à voz da senhora), discordo com a dita frase.

Procurei expôr a minha opinião com as pessoas do nosso mundo profano e, aparentemente, nenhuma delas me apoia. Para elas, o que deixa saudade são as coisas raras da vida. Aquelas coisas únicas que, de certa forma, nos conseguem marcar para sempre. Mais uma vez, permitam-me ripostar. Não sei se consigo realmente explicar o porquê, mas eu sei que são de coisas vulgares que eu mais sinto falta. As coisas vulgares é que, normalmente, estão presentes connosco nos momentos felizes da nossa vida. Não querendo cair no erro de não conseguir ser claro o suficiente, passo a enunciar uma pequena lista das coisas vulgares que mais falta me fazem.

Sinto falta do som quase imperceptível do relógio de pêndulo a que o meu avô dava corda.

Sinto falta de sair de casa a sorrir em vez de sair de casa a pensar em tudo aquilo que aconteceu ou vai acontecer.

Sinto falta de quando o meu pai me vestia de manhã, enquanto eu ainda dormia.

Sinto falta de quando ia de manhã dormir mais um pouco para a cama dos meus pais nos sábados e nos domingos.

Sinto falta das palmas fora de ritmo do meu avô.

Sinto falta do tempo em que saber ou não o que era dinheiro não fazia a mínima diferença.

Sinto falta dos tempos em que sabia poucas palavras.

Sinto falta de conseguir comer dois pacotes inteiros de bolachas-maria sem me enjoar.

Sinto falta de chorar apenas por não me comprarem o brinquedo que queria.

Sinto falta dos tempos em que eu e os meus amigos rapazes podíamos dar as mãos sem sermos gozados.

Sinto falta dos almoços em que brincar com a sopa era divertido.

Sinto falta dos dias em que o meu comportamento era sempre desculpável por ser, aparentemente, inocente.

O meu irmão sente falta de quando eu o chateava o dia inteiro.

A Cuca sente falta de acordar e ficar a ver desenhos-animados.

Nos dias em que eu e o meu irmão não estamos em casa, a minha mãe sente falta da desarrumação que, habitualmente, provocamos.

A Maria sente falta da box do Funtastic-Life no escritório.

Obviamente, não sinto falta das minhas estrondosas férias de Verão de 2005 ou mesmo da minha ida à Suécia. São coisas bombásticas e especiais que acontecem mas que, rapidamente, acabam. Não há nada para sentir saudade sequer.

Conclusão: Mariza, sempre que começares a cantar essa canção, eu hei-de apupar logo no primeiro verso.


Guess

12 comments:

Morcegos no Sótão said...

Hum...

Concordo e discordo. Ao defenderes a tua ideia, anulas as restantes, o que te tira a razão. Sim, claro que se sente falta de coisas e gesto pequenos, eu por exemplo, sinto saudades do salame da minha avó... (Quando me pediste opinião do que sentia falta de coisas vulgares não especificaste, pensei que fossem objectos, oh troll!-.-) E agora porque o salame da minha avó era maravilhoso e irrepetível, quer dizer que não sinto falta da "coisa" marcante e importante que, efectivamente, era ela? Claro que não.

O facto de sentirmos falta de coisas pequenas, não elimina a óbvia, mas é que ÓBVIA, existência, importâncie e relevância das saudades de coisas grandes, marcantes, prolongadas. A Cuca ao sentir saudades de acordar para ver desenhos animados, está a recordar o período da infância e com certeza que sente falta de mais coisas dessa altura que não os desenhos animados! E por aí afora...

Mas pronto, rico post, sim senhora. E os fadistas são muito bonitos de se ouvirem, mas as letras nem sempre são de fiar. =P

MJNuts

Anonymous said...

Sim, é verdade. Fado é manhoso.
Saudades do salame da avó? oh =)

Mas fica giro! Tudo a sentir falta em grande peso de coisas, de certa forma, um pouco profundas, e depois chega a Maria: ah, eu sinto falta da box da funtastic life no escritório, yô! xD

Anonymous said...

Por vezes as pessoas vêem algo que é especial nas coisas rotineiras ou nas cenas mais vulgares e são essas coisinhas especiais que fazem de algo tão vulgar, algo tão especial e que quando o tempo passa, ou apenas deixa de existir, são essas as coisas especiais que nos fazem recordar momentos tão vulgares. Isto é, nas coisas vulgares existe quase sempre algo que seja especial (quando digo especial refiro me ao que as pessoas nesse teu mundo profano dizem ser as raridades). Como por exemplo uma coisa, uma pessoa, um momento da tua vida, etc.
O facto de sentires saudades do bater de palmas desordenado do teu avo, só demonstra que ele para ti era alguém muito especial e as coisas mais repetitivas dele ficaram te em mente como sendo algo que te faça recorda-lo facilmente dai esses momentos serem especiais para ti. Mas isso depende muito.
Este tema é sem duvida um tema que dá que falar e eu não concordo nem discordo contigo, mantenho me ali no meio-termo dos dois, pois ambos ao de ter a sua razão naquilo que dizem.

Duriel said...

Eu sinto falta de coisas vulgares e de coisas não vulgares!

"Sinto falta do tempo em que saber ou não o que era dinheiro não fazia a mínima diferença."

Isto, como mais algumas frases que aí tens, não é uma "coisa vulgar", não é uma acção, não é um objecto, é um pensamento, isto é a mesma coisa que dizer "sinto falta de ser puto". Eu também sinto, mas não é uma "coisa vulgar". Sinto falta das brincadeiras do dia a dia na escola, por exemplo!

É natural que as pessoas respondam intuitivamente que não sentem falta de coisas vulgares, porque a intuição só te faz lembrar das coisas mais especiais... Mas se lhes perguntares se não têm saudades de andar às cavalitas do pai, de jogar às escondidas... Muitas que inicialmente disseram que não à tua pergunta, hão de pensar duas vezes e dizer que sim!

Anonymous said...

eu tb sinto a falta do salame da minha avó

Anonymous said...

Eu tb sinto a falta do salame da minha avó mas porque era feito por ela. :)

K1111 said...

Eu sinto falta dos meus maiores dilemas serem faltar ou não à aula de português no ciclo! XD
Sinto falta do sabor dos lucky charms...
Sinto falta do cheiro reconfortante de uma série de pessoas.
Sinto falta de ser a Navegante da Lua de marte ou a Ranger amarela!

CHESB

Nia said...

Sinto saudades de "jogar à bola" como se não houvesse amanhã...

eheh MJ gostei desse "oh troll!!", mto "meu" :D

Anonymous said...

Caro Duriel, eu procurei referir-me a coisas imperceptíveis. O dinheiro é algo bastante vulgar. E os pensamentos contam. Não saber o que é o dinheiro é algo que ninguém se lembra. Enquanto toda a gente se lembra de estar na fila para a montanha-russa de um parque de diversões qualquer e pensar no quão nervos@ se encontrava naquele momento.
Relativamente ao resto, é exactamente isso que quero dizer. As coisas vulgares estão sempre lá :)

k1111, eu sinto falta de ser uma das personagens dos filmes do Jurassic Park e andar pelo recreio a fugir de dinossauros.

Morcegos no Sótão said...

Eu sinto falta do salame da minha avó por ser fantástico (nunca voltei a provar um tão bom). Mas é claro que também sinto falta de a ver fazê-lo e de lhe roubar o chocolate da taça quando ainda estava meio pastoso...

Era a minha avó. =)

MJNuts

Anonymous said...

Saberás também que o 2º verso diz:

"...só as lembranças que doem ou fazem sorrir..."

E todas as coisas que enumeraste encaixam-se num destes pontos. como tal, não apupes a moça e muito menos a música porque é, de facto, um poema lindíssimo e verdadeiro (na minha opinião).

Anonymous said...

Estrufina, finalmente alguém com alma de poeta (com sensibilidade )pra entender a beleza dos versos, e ainda acrecento mais... tudo que nos é especial deixa de ser "vulgar".