Friday, June 11, 2010

Vejo-me com umas calças de ganga velhas e uma t-shirt branca, larga, gasta. Os ténis assentam-me na perfeição quando, se vistos sem mim, seriam considerados feios. A pele dos meus braços está morena, mas não muito, porque o Sol nunca pareceu lembrar-se que eu existo. O meu ombro esquerdo apoia-se languidamente no tronco rugoso da árvore. A mão direita esconde-se no bolso, o polegar de fora. Vê-se a unha, pintada de roxo, cheia de personalidade.

Há um jeito em mim. As costas não estão bem tortas, mas também não estão direitas. Os olhos fixam-se no chão ou no horizonte, mas qualquer que seja a posição, o cabelo cobre-me sempre o rosto.

É um cabelo lindo, que me faz sorrir e lembrar daquela longínqua vez em que proclamei que tinha "o cabelo mais fixe de sempre". Acaricia-me as orelhas e as têmporas, faz-me cócegas nos lábios, esconde-me o pescoço. É macio, mas está seco do Verão. Tem caracóis meigos que o Sol aloirou.

Tenho óculos-de-sol pousados na cabeça e a testa franzida. Às vezes mordo o lábio inferior. Outras, humedeço-o com a língua. Tenho um pauzinho de gelado na mão esquerda, que vou levando à boca para mordiscar.

O Mundo à minha volta é um silêncio de pessoas. À frente, estou a três passos de dar um salto imenso rumo ao mar. Oiço as ondas a bater contra as rochas lá em baixo, mas é um barulho suave, porque o mar está calmo, como eu. Vejo pássaros a sobrevoarem o azul, que soltam vocalizações aleatórias quando lhes apetece e não parecem mais do que traços pretos desenhados no infinito. A bola amarela impossivelmente fixa no céu enche o cenário de luz e de calor e de sentido.

Atrás de mim há vento e cheiro a terra. Sinto areias a roçarem em mim, quando há alguma rara rajada que se eleva com mais força. O carro ficou lá em baixo.

Sinto-me bonita e completa, parte do cenário. A mente parou para dar espaço aos infindáveis estímulos do exterior. Os cheiros que me consomem, os ruídos que me desligam, as visões que me despem de palavras.

Quando os meus olhos fixam o chão, sinto-me uma pessoa cheia de sorte. A Vida foi fantástica para mim. É fantástica para mim. Quando os olhos se fixam no horizonte, lembro-me do enorme que é o Mundo e dos milhões de pessoas que nunca poderei conhecer. Quando levanto os olhos para o céu, e sinto os óculos a escorregarem da cabeça, lembro-me do quão pequena sou eu.

E então oiço passos e uma cabeça pousa no meu ombro. Uma mão procura carinhosamente lugar no meu bolso vazio. Outra mão prende a minha t-shirt larga como se desejasse que eu não fugisse nunca. A minha mão esquerda age em nome do sorriso no meu rosto e repousa no punho agarrado com tanta força à minha t-shirt que ela fica amarrotada. Dou atenção a cada um dos dedos, um a um, até que eles relaxam e se soltam e se lembram que eu continuo ali. Continuo aqui.

Já passaram tantos anos.

"Vens, Maria?"

Desculpa, ainda não sei se o teu português vai ter sotaque.

"Eles estão à nossa espera."

Com um balanço, desencosto-me da árvore e dou meia volta. Beijo-te o nariz, ponho-te um fio de cabelo atrás da orelha e começo a caminhar a teu lado.

Sei exactamente quem eles são. Só faltas tu.

MJNuts

2 comments:

André Pereira said...

Omg omg, que coisa mais fofa de sempre :(

Gostei imenso e de ti também!

odeioervilhas said...

este não pude evitar comentar: parece de livro ! breathtaking.