Sunday, June 20, 2010

Portugal

Nasci em Lisboa a 19 de Fevereiro de 1986. Como todo o clássico lisboeta, nasci na Maternidade Alfredo da Costa.

Mudei de casa 5 vezes desde que nasci, num total de 4 localidades diferentes (todas em Lisboa ou arredores) e vivi 9 meses em Londres. A primeira coisa que me foi dita na primeira aula que tive em Londres, por um professor português, foi: "Às vezes, é preciso sairmos do nosso país para apreciarmos verdadeiramente o que deixámos para trás. Às vezes, é preciso comparar a nossa cultura a outra para percebermos a infinita e tão particular beleza da unicidade do nosso cantinho."

Ele tinha razão. Passei por várias fases de sentimentos em relação a Portugal no meu ano fora.

Em Novembro, apercebi-me da beleza da nossa língua.
Em Dezembro, já não aguentava mais com as saudades daquele pão magnífico, de tantas qualidades diferentes, que não existe em mais lado nenhum (não se não houverem portugueses a controlar o forno).
Em Abril, fiquei feliz por estar em Lisboa tanto tempo. Chegar e ir directa ao Zoo. A familiaridade do comboio, da faculdade, das ruas e das casas.
Em Maio, não podia com Portugal. A mentalidade do futebol, do fado e de Fátima. A pequenez.
Em Junho, o futebol de novo.

Irrita-me imenso o portuguesismo barato despoletado pelo futebol. Odeio a importância desmedida que o futebol tem neste país. Detesto ter de levar com camisolas do Benfica e cachecóis do Sporting nos transportes. Mais do que isso, odeio ter de ouvir as conversas sobre o jogo X ou o jogador Y. Constantemente, a toda a hora, falar de futebol em Portugal é o mesmo que falar do tempo nos elevadores de NY.

Odeio. Odeio e é um aspecto em que sou completamente crítica e elitista. Conheço várias pessoas inteligentes que gostam de futebol, mas se vejo alguém deixar-se consumir intensamente nas alegrias e agruras do futebol, assumo que é uma pessoa que devia ter melhores coisas para fazer da vida. É um julgamento da minha parte, é feio, mas é assim.

E então olho para este país, olho à minha volta e fico triste, porque a mentalidade do futebol grita-me pequenez aos ouvidos. Diz-me que as nossas gentes se agarram à bola para esquecer as desgraças do dia-a-dia, em vez de lutarem por mais e melhor. Diz-me que há muito mais portugueses a terem Cristiano Ronaldo como herói, em vez de escolherem António Lobo Antunes, João Garcia ou Teresa Salgueiro.

O país ter parado, literalmente, com a visita do papa também me amargou. Portugal é um suposto Estado laico, mas pelo visto tem acordos com o Estado do Vaticano. Houve pessoas a esperarem horas para verem o velhote passar. Velhote esse que há-de ter qualidades, certamente, mas que foi a África, um continente assolado pela SIDA, afirmar que a doença não se combatia com preservativos e cujo braço direito proclama que a pedofilia na Igreja está ligada à homossexualidade e não ao celibato.

Claro que me magoa olhar em volta e ver as minhas gentes terem comportamentos de adoração a alguém assim. A alguém assim ou a algum dos energúmenos dos futebolistas, que têm uma falta de vocabulário de bradar aos céus, para não falar nos pontapés na gramática e na estupidez natural para tudo o que não diga respeito à bola.

É pequenez. Existe em Portugal. Como há-de existir certamente em muitas outras nações. Mas com a pequenez deles posso eu bem.

Mas depois do Benfica ter ganho o campeonato, e estando o Mundial a passar-me completamente ao lado, lá me curei da alergia portuguesa. Não é preciso muito para ultrapassar tal coisa.

Houve o Bairro Alto e o rio Tejo, houve o Chiado e Alfama. Houve Belém e o Cais Sodré.

Houve os Santos, com tanta gente na rua, tanta tradição, tanta cerveja, o cheiro a chouriço e a sardinhas. Fado cantado na rua e trocas de galhardetes com estrangeiros.

Houve Aveiro e a ria e houve o Porto e as pontes. Houve os sotaques e as paisagens para lá das janelas dos comboios.

Houve uma festa de putos cujo tema era "Portugal no Mundo" e que me fez recordar do diferente que foi a história portuguesa no que toca a descobrimentos e impérios - como só no Brasil fomos colonizadores, nos outros lugares (e foram tantos!) misturámo-nos, conhecemos, partilhámos.

Houve uma festa de putos que me deu arrepios enquanto pirralhos de 5 anos recitavam Fernando Pessoa e estarolas de 10 proferiam versos d'Os Lusíadas.

E então lembrei-me do quão bela é a nossa língua, que descobri que só pode ser bonita aos ouvidos de um português (porque aos outros soa a russo e os brasileiros não entendem à primeira porque português fala para dentro). Lembrei-me de como me é tão vergonhosamente mais fácil ficar arrepiada com vozes a cantar em português do que a cantar em qualquer outra língua, porque há uma força qualquer que vem de dentro, que vem da alma lusitana, que nos transcende e faz com que o nosso corpo não aguente cantar sem fechar os olhos.

Lembrei-me do portuguesismo gritante de todos os nossos grandes escritores, presente em cada um à sua maneira. Em Camões, nas paixões desmedidas e no orgulho das Descobertas. Em Garrett, nos ideais liberais a contrastarem paradoxalmente com os valores tradicionais do campo. Em Eça, na mordaz crítica ao que é a sociedade portuguesa, sem tirar nem pôr (e ainda hoje é assim). Em Pessoa, no mundo imenso, no universo inteiro que vai naquela alma, que nada faz além de pensar e sentir.

Como é grande a nossa literatura. E como tanta da sua grandeza vem precisamente desse algo indefinível que faz de todos nós portugueses.

Não dá para esquecer as paisagens belíssimas que há de Norte a Sul, tão variadas. Quilómetros de praia, serras húmidas, serras secas, planícies a perder de vista, vales e cascatas. Cidades místicas, cidades mouras, aldeias de pedra, vilas pintadas a cal.

Portugal é pequeníssimo, mas é lindo. É lindo e de brandos costumes. É de brandos costumes e de bom cozinhar.

Tanta coisa errada que aqui há... Tão forte que é o apelo de uma vida melhor no estrangeiro... Mas português que parte quer sempre, sempre voltar e nunca vai sem ter o regresso em mente, por muito distante que esteja esse regresso.

Não dá para explicar. Todos os países têm uma identidade (ou quase todos, há uns quantos ainda a criar a sua), mas há algo de único na identidade portuguesa. Algo de único que nos faz a todos parar para dar indicações a estrangeiros, mesmo que não percebamos nada do que eles dizem e acabemos a puxá-los até ao sítio certo. Algo de único que nos faz a todos reclamar muito e fazer muito pouco. Algo de único que nos faz olhar de lado para o diferente, mas nunca fazer activamente nada contra a diferença ao ponto de nos habituarmos a ela e a aceitarmos. Algo de único que há na entoação das nossas palavras e na força com que confessamos os nossos sentimentos.

Nasci em Portugal, sou portuguesa. A cultura portuguesa está-me impregnada no sangue. Podiam tirar-me tudo, posso até viver o resto da vida lá fora (porque eu sou louca e por amor até no Nepal), mas nunca, jamais abdicarei da minha nacionalidade.

Para o bem e para o mal, eu vivo e respiro Portugal.



MJNuts

6 comments:

Dora said...

Gostei do teu post. Entendo mas não sou tão radical em relação à bola. São opiniões...

Anonymous said...

A mim também me irrita a pequenez - não do país, mas da mentalidade. Dizem que no tempo da ditadura o Fado, Fátima e Futebol era o pão e circo do país, mas continua a ser assim.

Cada governo sucessivo usa o poder que tem para dar emprego aos amigos e preparar a vida na administração privada que vem depois de quatro ou oito anos a mandar nesta nação, e o povo enterra a cabeça na bola, na religião e nos "bons costumes" e quando há alguma coisa a celebrar, é os descubrimentos.

Mas não há mais? Em mil anos de história não há mais nada? Desde os século XVI que não fizemos mais nada que importasse a nível mundial?

E isso é motivo de celebração?

Eu sei que há coisas importantes para o mundo que têm sêlo de Made in Portugal, mas tentem explicar ao tuga, que trabalha 80 horas por semana para ganhar uma miséria, que tem a quarta classe porque teve de começar a trabalhar novo, que foram portugueses que começaram a investigação de regeneração de nervos a partir de células encontradas no nariz, ou que foram portugueses que inventaram uma forma fácil, rápida e razoavelmente barata de fazer análises ao sangue. Isso não lhe diz nada, não tanto como ganhar uma taça por dar pontapés na bola ou passar por cá o xamã que fala com a fada invisivél do céu.

Morcegos no Sótão said...

Como te entendo, Luís... E a Via Verde, tão prática? E o multibanco com tantas funções xpto?

Português inteligente é muito inteligente, mas tem de ir para fora ser reconhecido, porque aqui ninguém quer saber dele... É triste, mas é assim.

MJNuts

André Pereira said...

Como sempre, mais um post brilhante da nossa Maria.
Queria-te fazer um comentário grande e articulado, mas tu disseste tudo.
Portugal é lindo e ninguém mo pode tirar, tem defeitos, mas muitas qualidades. É amor.
E quando amamos alguém só lhe vemos qualidades, os defeitos ultrapassam-se.
Não quero falar de política.

Rui de Brito said...

por falar em portugal, DIVULGUEM:

o verdadeiro Nuno Markl revelado num e mail a um fã

Vergonhoso... Qualquer amante do humor e escrita que se faz em portugal deve ver isto

http://overdadeironunomarkl.tumblr.com/


ISTO SIM MOSTRA UMA FACETA BEM TRISTE DE PORTUGAL:

Dina Barbosa said...

Adorei o texto, está fabuloso.
Muitos parabéns! :)