Saturday, March 15, 2008

Quartos de Hotel

"É possível morrer. Laura pensa, de súbito, como ela - como qualquer pessoa - pode fazer uma escolha dessas. É um pensamento impulsivo, vertiginoso, um pouco imaterial - anuncia-se dentro da sua cabeça, leve mas distintamente, como uma voz crepitante de uma longínqua estação de rádio. Ela podia decidir morrer. É uma tremeluzente ideia abstracta, não particularmente mórbida. É em quartos de hotel que as pessoas fazem coisas dessas, não é? É possível - talvez até provável - que alguém tenha posto fim à vida aqui, neste quarto, nesta cama. Alguém disse «Basta, não quero mais»; alguém olhou pela última vez para estas paredes brancas, este liso tecto branco. Ao ir para um hotel, ela percebe-o, deixamos para trás as particularidades da nossa própria vida e entramos numa zona neutra, num limpo quarto branco, onde morrer não parece uma coisa assim tão estranha.
Podia, pensa, ser profundamente reconfortante, podia dar uma sensação de tanta liberdade: partir, simplesmente. Dizer a todos: eu não podia suportar, não fazem a mínima ideia; não queria tentar mais. Podia, pensa, haver uma terrível beleza nisso, como um campo de gelo ou um deserto ao despontar da manhã.
(...)
Passa a mão pelo ventre. Nunca o faria. Diz as palavras em voz alta, no quarto limpo e silencioso: «Nunca o faria.»
(...)
No entanto, está satisfeita por saber (pois, de algum modo, subitamente, sabe) que é possível parar de viver. Existe conforto em encarar toda a gama de opções, em considerar sem medo e sem astúcia todas as escolhas possíveis. Imagina Virginia Woolf, virginal, desiquilibrada, vencida pelas impossíveis exigências da vida e dar arte; imagina-a a entrar num rio com uma pedra na algibeira. Laura continua a passar a mão pelo ventre. Seria tão simples, pensa, como alugar um quarto num hotel. Sim, seria tão simples como isso."

Michael Cunningham em "As Horas"

Guess

1 comment:

Anonymous said...

Bom post! não comento porque o texto diz tudo...