Que feitiço é este, o do enamoramento?
Onde vejo falhas, vê perfeição. Onde vejo horrores, vê salvação. Onde vejo mediocridade, vê excelência. Onde antevejo repulsa, sente desejo.
E que pena quebrá-lo. Que tragédia perder esse olhar, de inevitável precariedade, sobre mim. Não mais vai existir essa centelha a arder por mim lá fora, no mundo frio. Não mais haverá alguém a sonhar com um alguém que não vejo mas que em mim vê. Um olhar terno sobre mim. Sou tentada a alimentá-lo, a atiçar a constância desse fogo e banhar-me no calor projectado por essa imagem durante um pouco mais. Só mais um pouco.
Um toque. Um olhar. Um sorriso. E o banal sente-se como calculado. Natural e antecipado, miscigenados. As palavras saem-me vazias mas cheias de intento. E mexer-me sabendo que quem me olha contempla uma divindade e não mais um ser humano. E andar sabendo que olhos parciais me seguem e me apreciam e nos meus gestos vêem graça. Mel escorre dos meus dedos e a visão da minha língua atiça outra e formiga a pele. O meu riso ecoa e reverbera no oco de outra mente. Sou reverenciada. Idolatrada. Não quero mas sou querida. Não olho mas sou olhada. Não sinto mas sou sentida.
Que feitiço é este, cujo reflexo me enfeitiça também a mim? Encaro-me e, no mais fugaz dos instantes, vislumbro-a, a deusa. E também o meu olhar se cobre de brandura. Enfeitiço-me. Pondero amá-la. Pondero sê-la.
Lili