Tuesday, December 29, 2009

Wicked

Há fios que a Vida vai tecendo para nós sem darmos por isso. Já não me lembro da primeira vez que vi The Wizard of Oz, mas foi há muitos anos. Entretanto já revi e já comprei o DVD. É um dos meus filmes preferidos. Olhando para trás, pergunto-me o porquê deste... soul pull. Que será que tem The Wizard of Oz tem que outros filmes do género não tenham?

Gosto da história, gosto da Judy Garland a cantar. Gosto da estrada de tijolos amarelos e da ideia de um leão sem coragem ou um homem de lata sem coração. Gosto da improbabilidade da amizade e da união. É um bom filme para sorrir, para aprender, para tirar lições de vida.

Dito isto, e contra todos os meus ideais da altura, sempre gostei da Bruxa de Oz. The Wicked Witch of the West. A bruxa verde que tem medo de água. Olhando para trás, é curioso eu gostar de tal personagem. Ela no filme (e tristemente nunca li o livro de Frank L. Baum - sad mistake shall be corrected) tem mais presença no imaginário do terror dos protagonistas do que propriamente em cena. Quando em cena, parece menos assustadora do que a ideia que tínhamos dela. É uma velha louca e histérica e verde. Porque gostava eu dela, então?

Não sei. Mas até houve um Carnaval em que me mascarei de Bruxa de Oz. O verde até me fica bem.

Entretanto, surgiu um livro: Wicked. Esta obra, de Gregory Maguire, conta a história de Oz do ponto de vista da Bruxa, que aqui ganha um nome - Elphaba. O livro é fabuloso até cerca de um terço do final. Os últimos capítulos desiludem, infelizmente. Gostei muito de o ler, apesar disso. Que mais poderia eu querer se não saber mais sobre a Bruxa que sempre me fascinou?

Mas isto foi há uns anos e entretanto esqueci. Esqueci até que fui viver para Londres, ainda que este viver seja temporário. Em Londres, há o West End, como Nova Iorque tem a Broadway. E numa das partes do West End, em frente à paragem do meu autocarro, está, uma e outra vez, aquele gigantesco poster a chamar-me.


Nunca fui fã de musicais, mas este tinha de ir ver. Pela Bruxa, sim. E pelo poster também. Pela subversão que dele escolho retirar.

E lá fui, finalmente. Ver o Wicked. Ver a minha Bruxa personalizada. Ouvi-los para ali a cantarolar uma história que já tão bem conhecia, adaptada para um palco.

Para minha surpresa, de tudo o que absorvi de Oz... Filme do Feiticeiro, livro da Bruxa. O musical foi o meu preferido. E, pela primeira vez na minha vida, desejo ter sido eu a ter a ideia de escrever sobre a vida da Bruxa de Oz em vez do autor a quem a brilhante ideia ocorreu. Peço desculpa, Sr. Maguire, mas não lhe fez justiça.

Adorei o musical na altura e fiquei com algumas músicas a martelar na cabeça, mas não liguei muito. Cerca de 2 ou 3 semanas depois de o ter visto, é que me comecei a aperceber de certas coisas, é que me fui apegando ao Wicked, à Bruxa. E à Glinda, inevitavelmente.

Eu sou louca, como o somos todos, e na minha cabeça, ouvindo as canções, eu sou a Elphaba. E nunca na minha vida me tinha identificado tão fortemente com uma personagem.

Não sou verde, mas também sou diferente. Sou sociável, mas socialmente incómoda por vezes. Quem me dera ter a força de Elphaba e a coragem. Já não há muitas pessoas que se importem e Elphaba tem isso de especial. She cares. E luta por aquilo em que acredita, contra tudo e todos. Mesmo que tenha de o fazer sozinha.

Não sei explicar. Elphaba is all heart disguised in a cloak of rationality. É esperta e questiona a ordem das coisas, a imposição da sociedade. Ela tem quem a ame, mas afasta-os, pois acredita estar a protegê-los. Enfrenta sem medos as consequências das suas escolhas.

Não sou a Elphaba, porque ela é tão mais que eu. Mas olho para aquela criatura verde e magrela, com cabelos lindos e que não se sabe vestir , e sorrio e quero ser assim. Também me dói ver-me na Elphaba. We all know how that story ends, don't we? Porque é que tem sempre tudo de ser agridoce?

Por isso oiço as músicas uma e outra vez. E releio passagens do livro. E procuro histórias da Bruxa pela net fora. Há quem se inspire em artistas ou tenha grandes Homens como ídolos. Eu vou buscar forças a uma Bruxa, quando as sinto em falta.

Her pain is my pain.

One question haunts and hurts
Too much, too much to mention:
Was I really seeking good
Or just seeking attention?
Is that all good deeds are
When looked at with an ice-cold eye?
If that's all good deeds are
Maybe that's the reason why
No good deed goes unpunished


E quando acho que não aguento mais...

"Ev'ryone deserves the chance to fly!"
And if I'm flying solo
At least I'm flying free


E como em tudo o que é realmente importante, fica só à superfície o porquê de me ver nos olhos de uma Bruxa.

E como não podia deixar de ser, não comigo, eu leio e oiço e vejo a Elphaba. Mas é a Glinda que me prende.

MJNuts

Sunday, December 27, 2009

Maturidade?

Ontem depois do jantar, em família, e sabe-se lá porquê, veio à baila o tema da maturidade. Disse-se o já sabido que, socialmente, o atingir da maturidade chega aos 18, mas há crianças com 8 ou 9 anos que já têm mais maturidade que adultos muito para lá dos 18. Disse-se que não vale a pena procurar a maturidade, que a vida encarrega-se disso.

Disseram-me a mim que maturidade é um desejo de assentar, de querer estabilidade. É diferente de querer casar e ter filhos como o mainstream parece sonhar. Maturidade é assumir as responsabilidades. É parar e criar a nossa vida à nossa volta. Acabar um curso e arranjar um trabalho, mesmo que não se goste muito dele. É manter esse trabalho porque o dinheiro faz falta, mas usá-lo para alimentar outras paixões. Não se gosta de estar atrás da secretária, mas gosta-se de teatro e fotografia. Há tubos de escape. São tubos de escape para a maturidade?

Maturidade é ser casado e ter dois filhos e de repente acordar-se com vontade de não ter nada disso, mas ficar mesmo assim, porque é nossa responsabilidade para com os que amamos.

Foi o que eles disseram. Ainda estou para decidir se concordo ou discordo. Tenho noção de que não sou a mais madura das criaturas de 23 anos, mas independentemente do meu caso, se alguém tem 50 anos e é missionário e toda a vida viajou pelo mundo a ajudar os mais necessitados sem nunca parar, sem nunca comprar uma casa e fazer uma vida à sua volta, essa pessoa é imatura?

Até que ponto maturidade está associada ao conceito de assentar? E será "assentar" outra forma de dizer "parar"? Ou "assentar" vem sob diferentes formas? Se aquele missionário de 50 anos decidiu conscientemente passar assim a sua vida, se é isso que o faz feliz, não será possível que ele tenha assentado na sua mobilidade? Eu acho que é.

Também acho que maturidade é mais do que a idade, mas que com a idade vem muita coisa. Tenho a sorte de conhecer gente de muitas faixas etárias. Já vi putos de 16 anos estúpidos que nem uma porta e miúdos de 17 anos capazes de chegar muito mais além, de pensar racionalmente e de assumirem a responsabilidade dos seus actos e decisões. Mas a verdade é que, em certas coisas, em certos momentos, nota-se sempre que aquela pessoa tem 17 anos e não 25. Maturidade chegada cedo não nos torna mais sabedores sobre a vida, só nos torna mais... maduros.

Um puto de 18 anos é sempre um puto de 18 anos. Não interessa que tenha tido o pai em coma ou que a melhor amiga tenha cometido suicídio. Ficam dores e aprendizagens que se a Vida fossem rosas, nunca chegariam, mas há erros que ainda têm de ser cometidos. Há pequenos pedaços de ingenuidade que têm de desaparecer, porque a magia dificilmente dura para sempre e dá lugar ao cinismo e ao despeito.

Por isso, não, não sou a mais madura das pessoas da minha idade. Muitas já trabalham e já têm a sua vida delineada. Eu não tenho nada. Estou quase a acabar um curso que não quero exercer. Não quero encontrar um trabalho para me prender, mas também não quero fugir. Eu sei o que preciso e o que procuro.

Tenho uma inquietação em mim que há muito cá anda. Mas a Vida acontece e faz-nos crescer e crescer também é conhecermo-nos melhor. Eu, para já, não quero a vida normal, porque nela não encontro serenidade. É isso que eu procuro. Serenidade. Encontrei-a uma vez e deixei-a escapar, por isso agora carrego diariamente nos ombros o peso de a ter perdido. Mas tenho esperança que algures aí, à espreita, esteja algo ou alguém para me agarrar e me impedir de fugir e me mostrar que vale a pena ficar.

Até lá, vou dando passos leves aqui e ali, nunca estando realmente em lado nenhum. Até lá, sorrio e converso e rodeio-me de gente e às vezes atinjo uma quase-completude e outras vezes quase me entrego por inteiro. Mas a verdade é que ainda não estou inteira. E até estar, eu terei de bastar-me a mim mesma e encontrar força nos que me amam.

MJNuts

Monday, December 21, 2009

O Natal Não Precisa de Pai Natal

No dia 19 de Dezembro de 2009, o Jardim Zoológico de Lisboa abria as suas portas para receber o Consulado de Angola. Os visitantes regulares do Zoo pouco ou nada importavam nesse dia, pois, no Natal, a quantidade de empresas que visita aquele local para ver golfinhos saltarem prevalece às famílias portuguesas de classe-média, que apenas desejam descobrir o que é um Okapi.

740 crianças, 14 monitores, 7 grupos, 8 seguranças e 2 Pais Natal. A verdade é que quando nos dizem que o nosso trabalho não passará de uma mera distribuição de presentes e balões, não podemos nunca imaginar que iremos fazer parte de algo feio e contrafeito. Angola é a terra dos opostos. É um dos países com maior riqueza no mundo, mas é, ao mesmo tempo, um país onde encontramos o lado mais horrendo da pobreza.

Cá em Portugal, o Consulado de Angola dispõe de um conjunto de serviços simpáticos que levam, por exemplo, os angolanos residentes em Portugal a uma visita ao Jardim Zoológico. Mas o propósito desta visita supera em grande escala aquilo que os presentes, os balões, as músicas e as cores nos transmitem à primeira vista.

Há um embaixador. Um embaixador que gastou mais de 100 000 euros para promover a sua imagem e ganhar prestígio na sua terra longínqua. Este embaixador não pode sentar-se nos assentos da plateia, onde todo o seu povo assiste ao Espectáculo dos Golfinhos. Sem o seu lugar VIP habitual, este embaixador precisa de almofadas para não machucar o seu rabo. Este embaixador precisa também de 8 seguranças que, para além dos seus fatos pretos, óculos escuros e auriculares, recebem sem problemas mais de 1500 euros por estarem ali. Mas este segurança tem tudo pronto para que as crianças se divirtam e possam ir para casa sem se esquecerem de quem arranjou tudo aquilo para elas.

Há uma tenda. Uma tenda enorme que dá abrigo a centenas de presentes para rapazes e para raparigas. Nessa tenda existe ainda um altar sinistro, onde repousa sobre uma mesa devidamente centrada um retrato do embaixador, cercado por uma moldura dourada e resplandecente. As crianças são obrigadas a fazer uma fila no exterior e a esperam ansiosamente a sua vez de serem compradas. Os pais ficam lá fora, claro. Não queremos que eles tenham a oportunidade de olhar para aquela montra colossal e escolher o presente que os seus filhos mais certamente iram gostar. Não, os filhos recebem aquilo que receberem. Se tiverem nome, dinheiro ou influência recebem um presente mais caro e mais espectacular. Se não tiverem nenhuma destas virtudes devem ficar felizes com uma bola de futebol ou um patético boneco do Rucca que nem sequer sabe cantar. E quem tem o poder de escolher e de entregar em mão o presente mais apropriado se não o embaixador e a sua mulher, a cônsul? São precisas fotografias que reportem a bondade destas duas pessoas e é preciso que as crianças saibam o que elas são capazes de fazer. O quê? Não gostas de futebol? Vais passar a gostar.

Depois de receberem o presente com o desdém mais inumano, que se figura numa empatia artificiosa nos breves segundos do click da máquina, as crianças são rapidamente conduzidas para fora da tenda. Lá dentro, no quentinho, com cadeiras para descansar e mesas decoradas com doces e aperitivos, ficam somente as crianças sortudas que têm pais fantásticos com muito dinheiro.

O Pai Natal pouco ou nada importa nesta acção solidária. Ele não pode dar os presentes porque não sabe o que é que cada criança pode ter. Não! Essa criança não leva esse presente. Onde é que vais com esse embrulho, Pai Natal? Pai Natal, desvia-te mais um pouco que estás a tapar o embaixador na fotografia. E enquanto um fazia o que podia para distribuir estes presentes de forma mais justa, o outro Pai Natal estava sentado na sua mítica poltrona, junto a uma bela e luminosa Árvore de Natal. Ele era como se fosse a figura que tinha dado uma pequena ajuda ao embaixador na concretização deste dia inesquecível. Mas o verdadeiro Pai Natal, o verdadeiro Senhor Bondoso de Barbas Douradas e Cinto de Cabedal era o embaixador. O pequeno cenário deste Pai Natal parecia algo pobre e triste, esforçando-se para se fazer notar, ao lado direito do pedestal do verdadeiro senhor.

Mas não faz mal porque as crianças que viam o Pai Natal lá de longe e que eram empurradas novamente para o exterior da tenda podiam contar com um fantástico espectáculo de magia e de palhaços, com muita música e muitas bolas de sabão. Só que por vezes estas manobras extravagantes, que tapam as verdadeiras intenções, podem ser perturbadas. Não se deixem comprar! Não aceitem este dinheiro corrupto! Não aceitem os presentes!, gritava ele. São perturbações de solução rápida e eficaz. Nada que uma música alegre, conffetis e dois seguranças brutamontes não resolvam e varram para longe.

Quando foi a minha vez de abandonar a tenda, dando os meus serviços por terminados, os presentes ainda existiam às centenas e a cônsul já ordenava, atrás de mim, que fechassem as portas e não deixassem entrar mais crianças. Cá fora, elas gritavam e empurravam-se para entrar, mas já era tarde. As que já tinham o seu presente corriam desvairadamente à volta de um Palhaço que já não conseguia sorrir. Quando olhou para mim, mostrou-me a maquilhagem da sua cara, borrada e garrida. Encolheu os ombros e sorriu com uma expressão que lamentava todo aquele teatro inevitável e incontornável. Afastei-me dele sem o poder salvar.

Não contem comigo para o próximo ano. Feliz Natal.


Guess